quarta-feira, 7 de julho de 2010

Uma Temporada no Inferno - Arthur Rimbaud


"Antigamente, se bem me lembro, a minha vida era um festim, onde se abriam todos os corações, corriam todos os vinhos. Uma noite, sentei a Beleza no meu colo. - E a achei amarga. - E a xinguei. Armei-me contra a justiça. Fugi. Ó bruxas, ó miséria, ó ódio, meu tesouro foi confiado a vocês! Consegui apagar do meu espírito toda a esperança humana. Para estrangular toda alegria, dei o bote surdo da fera. Chamei os carrascos para, morrendo, morder a coronha de seus fuzis. Chamei os flagelos para sufocar-me com a areia, o sangue. A desgraça foi meu Deus. Deitei na lama. Sequei no ar do crime. E preguei boas peças à loucura. E a primavera me trouxe o medonho riso do idiota. E ultimamente, estando quase ao ponto de dar a minha última nota falsa!, pensei procurar a chave do antigo festim, onde reencontrarei talvez o apetite. A caridade é esta chave. - Esta inspiração prova que sonhei. "Você continuará hiena, etc...", exclama o demônio que me coroou com tão amáveis papoulas. "Ganhe a morte com todos teus apetites, e teu egoísmo e todos os pecados capitais." Ah! peguei disto demais: - Mas, meu caro Satanás, vos conjuro, uma pupila menos irritada! e aguardando algumas pequenas covardias atrasadas, vós que amais no escritor a ausência das faculdades descritivas ou instrutivas, vos destaco estas horrendas folhas do meu carnê de danado.

A gente não parte. Retoma o caminho, e carregando meu vício, o vício que me lançou raízes de dor ao meu lado, desde a idade da razão, e sobe ao céu, me bate, me derruba, me arrasta.
A quem me alugar? Que animal é preciso que adore? Que santa imagem nos agredirá? Que corações partirei? Que mentiras devo sustentar? Em que ânimo avançar?
Ah! Estou tão abandonado que ofereço à não importa que imagem divina os impulsos para a perfeição.
Nas estradas, por noites de inverno, sem morada, sem um abrigo, sem pão, uma voz comprimia meu coração gelado: "Fraqueza ou força: Está aí, é força. Não sabes nem onde vais nem por que vais, passas por tudo, respondes a tudo. Não te matarão mais, por já seres cadáver". De manhã tinha o olhar tão perdido e o aspecto tão morto que os que encontrava teriam podido não me ver.
O tédio já não é meu amor. As raivas, as farras, a loucura de que sei todos os ímpetos e os desastres - larguei meu fardo inteiro.Vejamos sem vertigem a medida da minha inocência.
Não sou prisioneiro da minha razão. Quanto à felicidade estabelecida, doméstica ou não... não, não posso. Sou dissipado demais, fraco demais. Farsa permanente! Minha inocência me fará chorar. A vida é a farsa a ser levada por todos.

Engoli um senhor gole de veneno. - Três vezes abençoado seja o conselho que me deram! - As entranhas me ardem. A violência do veneno torce meus membros, me torna disforme, me prosta. Morro de sede, sufoco, não consigo gritar. É o inferno, a pena eterna! Vejam como o fogo se ergue! Queimo como deve ser.
Um homem que quer se mutilar está condenado, não é? Não creio no inferno, pois estou nele. Não estão lá boas gentes, que me querem bem?... Venham... Tenho um travesseiro na boca, não me escutam, são fantasmas. Ademais, nunca ninguém pensa no outro. As alucinações são inumeráveis. É bem o que eu sempre tive: não mais fé na história, o esquecimento dos princípios. Não falo deles: poetas e visionários teriam inveja. Sou mil vezes mais rico, sejamos avaros como o mar.
Quero desvelar todos os mistérios: mistérios religiosos ou naturais, morte, nascimento, futuro, passado, cosmogonia, nada.
Ouçam!...Tenho todos os talentos!- Não há ninguém aqui e há alguém: não gostaria de espalhar meu tesouro. Minha vida não passou de doces loucuras, é lamentável. Decididamente, estamos fora do mundo. Ah! Voltar à vida! Lançar os olhos sobre nossas deformidades. E este veneno, este beijo mil vezes maldito! Minha fraqueza, a crueldade do mundo!"

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