quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Wicked Game - Chris Isaak




Jogo Malvado

O mundo estava queimando,

ninguém podia me salvar exceto você

É estranho o que o desejo

faz as pessoas tolas fazerem

Eu nunca sonhei que eu conheceria alguém como você

E eu nunca sonhei que eu precisaria de alguém como você



Não eu não quero me apaixonar

(Esse mundo sempre partirá seu coração)

Não eu não quero me apaixonar

(Esse mundo sempre partirá seu coração)

por você

(Esse mundo sempre partirá seu coração)



Que jogo malvado pra se jogar

Para me fazer sentir desse jeito

Que coisa malvada pra se fazer

Para me fazer sonhar com você

Que coisa malvada pra se dizer

Você nunca se sentiu desse jeito

Que coisa malvada pra se fazer

Para me fazer sonhar com você



Não eu não quero me apaixonar

(Esse mundo sempre partirá seu coração)

Não eu não quero me apaixonar

(Esse mundo sempre partirá seu coração)

por você



O mundo estava queimando,

ninguém podia me salvar exceto você

É estranho o que o desejo

faz as pessoas tolas fazerem

Não e eu nunca sonhei que eu amaria alguém como você

Eu nunca sonhei que

perderia alguém como você



Não eu não quero me apaixonar

(Esse mundo sempre partirá seu coração)

Não eu não quero me apaixonar

(Esse mundo sempre partirá seu coração)

por você

(Esse mundo sempre partirá seu coração)



Não eu

Essa garota sempre partirá seu coração

Essa garota sempre partirá seu coração

Ninguém ama niguém

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Aforismos do ano passado (não assumo nenhuma responsabilidade por eles)



I. Não existe rebelde sem causa, toda rebeldia é fruto de uma exuberância e dinamismo vital que visa à renovação, de uma eterna necessidade da vida de fazer infinitas tentativas pelos mais variados e imprevisíveis caminhos e possibilidades. Toda justificação da rebeldia é posterior a essa causa suprema e primordial e é motivada por uma prestação de contas às exigências da sociedade. Assim, toda rebeldia que procura justificar a si mesma é incompleta, visto que acredita dever explicações àquilo mesmo que se rebela.



II. Poder é aquilo que nos torna livres. Toda outra forma de poder é uma armadilha para escravizar ambiciosos. A liberdade é o poder.



III. Descobri o porquê de chamarmos uma comida de “chocha” quando essa está insossa ou sem viço: A palavra “chocha” é uma onomatopéia da língua japonesa... E língua é o que os japoneses não têm. Seus pratos podem até ser uma boa entrada ou curiosidade gastronômica, mas estão longe de propiciarem uma refeição! Com isso se explica também por que se tornaram um povo tão disciplinado: sua mesa nunca lhes foi fonte de prazer.



IV. Etiqueta na mesa – Algumas etiquetas originaram-se de um refinamento do paladar e, por isso, devem ser mantidas: como aquela que manda que jamais devemos cortar o alface, mas sim fazer um pacotinho de sua folha com o garfo; de fato, assim é exigido pela lógica – poética – do paladar, visto que o sabor muito sutil do alface jamais seria aproveitado em toda a sua potencialidade senão desse modo. – Aliás, nada é mais repugnante do que essas pessoas que adoram esquartejar a sua comida! Estraçalham o macarrão, em vez de enrola-lo no garfo! Fazem picadinho de sua carne, em vez de corta-lo à proporção que se come! –. Outras etiquetas, por não se derivarem de modo algum das exigências do paladar, e muitas vezes lhe serem mesmo contrárias, devem ser totalmente abolidas: é o caso da regra segundo a qual não devemos lamber o prato depois de satisfeitos – e como desejamos fazê-lo quando um prato verdadeiramente nos conquista! Faze-lo é a mais honesta forma de reconhecimento e quem o ousasse fazer por mera gentileza seria traído pela própria expressão de sua face; por isso, vale mais que aplausos ou mil palavras elogiosas.



V. O solitário primeiro se afasta das relações com estranhos, ele demanda certa intimidade para que se sinta compreendido. Depois, foge das relações íntimas, sentindo-se impotente para sustentar amizades – na medida que seus íntimos se relacionam com estranhos. Por último, ele já não consegue sequer estar em meio às pessoas, pois sente a sua solidão em evidencia; busca abrigo, então, nas sombras, longe da visão dos homens.



VI. O homem que nasceu para realizar algo e não o faz a de fazer todas as outras coisas de forma fracassada.



VII. O dom, quando ignorado, converte-se num demônio amante do erro.



VIII. O misticismo é a sabedoria da patologia.



IX. Entre todas as experiências a do êxtase artístico é, ao mesmo tempo, a mais digna e a única impossível de ser compartilhada. Essa contradição irreconciliável é a real causa da perdição das almas intensamente artísticas.



X. O homem afeito ao sublime a de sentir com o mais mortal dos tédios os períodos de sua ausência.



XI. O grande problema que enfrenta o escritor ao mostrar seus textos para conhecidos é que esses, visto que o conhecem, são automaticamente levados a associar o conteúdo dos textos à própria pessoa do escritor; e isso impossibilita o efeito de identificação tão indispensável para despertar qualquer sentimento mais forte e profundo para com o texto.



XII. Excetuando a exigência semiótica do eu-lírico na poesia, esse serviu aos poetas por duas razões – uma elevada e sincera e outra baixa e mentirosa: a primeira é aquela que permite ao poeta exprimir um ponto de vista e não se reduzir a ele, i.e., expressar uma perspectiva sem se comprometer inteiramente com ela; a segunda seria aquela de que o poeta, supostamente, não possuiria comprometimento algum com o que foi dito no poema, como se o seu enunciado não partisse de uma experiência, real ou íntima, do poeta. A primeira razão é produto de uma complexidade do espírito e anseio de liberdade, a segunda é covardia.



XIII. A cada nova inspiração, que impele ao início de uma nova obra, o artista sente-a como uma confirmação definitiva do seu triunfo: “É agora!”, “Finalmente!”, “Obrigado Deus por ter me escolhido!”... Mas tão logo a obra é concluída – se é que chega a sê-lo –, a inspiração se esvai e ele se vê novamente mergulhado na incerteza e insatisfeito com sua obra: “Ainda não foi dessa vez!”. Essa insatisfação, no entanto, é condição de possibilidade de uma nova inspiração.



XIV. O homem comum pensa de forma democrática a normatividade de suas ações: "Posso fazer tal coisa?” A resposta é sim se tal coisa puder ser feita por todos os outros, "Posso desdenhar a política? Não. Porque se todos os homens desdenhassem a política a sociedade entraria em colapso". Já o homem distinto pensa: "Tenho mérito para fazer tal coisa?", "Sou suficientemente bom/talentoso/distinto para me comportar assim?" Ele não precisa basear a normatividade de suas ações nos outros porque sabe que os outros continuarão pensando de maneira democrática e, conseqüentemente, não fazendo aquilo que ele se permite fazer.



XV. Hoje, é o pensamento democrático que permite o pensamento aristocrático. E isso não é ilícito senão para os que pensam democraticamente. Por isso, muitos homens essencialmente aristocráticos preferem defender valores democráticos: numa sociedade sem escravidão, só uma massa bem comportada permite que alguns indivíduos não se comportem como o esperado. Só mesmo um ser tão louco como eu, tão filósofo, para denunciar as próprias artimanhas das quais depende. Mas, como nos é próprio, permito-me essa honestidade pois sei que os demais aristocratas não farão aquilo que me permito fazer.



XVI. Se os artistas pensassem segundo o imperativo categórico, não haveria artistas.



XVII. Queres consolar uma pessoa que está se sentindo diminuída? Fale de outra em situação pior, de preferência uma que ela conheça. Queres diminuí-la ainda mais? Então diga-lhe que não há razão para ela se sentir assim e faça-lhe elogios com marcas de pessoalidade: “mas eu te acho inteligente”, “para mim tu não foi inconveniente”, “não me pareceu que tu agiste de forma esquisita”...



XVIII. Queres ter o ego agraciado? Então trate de agraciar o ego de um homem. Nunca somos mais propensos a “reconhecer”, por exemplo, a inteligência de alguém do que quando esse já reconheceu a nossa.



XIX. Em virtude do fim da separação ontológica do homem em relação aos demais animais, seja ancorada nos dogmas cristãos que concebem o homem como “imagem e semelhança de Deus”, seja na distinção aristotélica do homem como único animal racional, ou seja, com o advento da naturalização do homem na modernidade, torna-se crescente e mesmo modismo tendências vegetarianas e a defesa dos direitos dos animais. O que não se costuma perceber é que com o ocaso da religião e do aristotelismo não são os animais que ascendem ao nível dos homens, mas os homens que descem ao nível animal. A conseqüência lógica das premissas modernas não é que não devemos mais comer ou matar outros animais, mas que podemos, também, matar e comer homens.



XX. Contra aqueles que procuram defender características inerentemente humanas, o historicismo atual pensa ser capaz de refuta-los apenas dizendo: “mas isso é essencialismo!”. Como se o essencialismo fosse algo, por si mesmo, insustentável; não uma orientação de pensamento, mas algo pejorativo, a própria negação do pensamento. Com isso, no entanto, os historicistas apenas comprovam o quão são vítimas dos preconceitos de seu tempo histórico, i.e., como o seu “historicismo” é, no fundo, pouco historicista. Da mesma maneira, acreditava-se, na Idade Média, que um homem estava refutado caso se pudesse acusar sua opinião de heterodoxa ou antiaristotélica. A isso se acrescenta que a genética afastou qualquer mácula que o essencialismo poderia carregar consigo, tornando-o não só possível, mas muito provável. Se essa nova situação ainda não repercute no senso comum dos estudantes de ciências humanas isso se deve ao fato de que esses são sempre atrasados em relação ao fazer verdadeiramente científico.



XXI. Contra aqueles que procuram defender o egoísmo, a cobiça e o ódio mútuo entre os homens como características inerentemente humanas – e a decorrente situação de “guerra de todos contra todos” numa hipótese lógica de um “estado de natureza” – costuma-se sempre apelar às pequenas tribos indoamericanas. O que parecem se esquecerem os que fazem uso desse contra-exemplo é que essas não se encontram de modo algum em estado de natureza e tão pouco próximas dele – e é nesse ponto que poderia se acusar Hobbes de erro e de vítima de sua realidade histórica . Embora não exista nesses uma constituição e/ou leis na forma convencional européia, existe neles uma mitologia e uma religião que, como lhes é próprio, oferece uma normatividade para o comportamento e a ação dos seus membros, i.e., eles possuem um governo do tipo tradicional. Assim, a melhor forma de verificar se esses povos não possuem naturalmente as características supracitadas é averiguando se existe em seus mitos fundadores e religião, algum mito exemplar contra a ação egoísta, cobiçosa, etc... Uma cultura não formularia um mandamento tal como “amai o teu próximo como a ti mesmo”, caso seus membros fossem naturalmente impelidos a isso, do mesmo modo que não há notícias de um mandamento que exorte “copulai”. Somente quando algo oferece risco para a coesão social é que nascem mitos exemplares, mandamentos e leis que se lhe oponham.



XXII. Não só as pequenas tribos indoamericanas não servem de contra-exemplo contra a posição essencialista do egoísmo humano devido a sua religião, mitologia e tradição – até que uma pesquisa empírica comprove a ausência de mitos exemplares no que se refere ao egoísmo –, mas também devido ao número bastante restrito de membros dessas tribos, normalmente em elo de parentesco – e o egoísmo não é necessariamente um egoísmo individual, mas familiar –, além do fato da organização política dessas tribos ser baseada na autoridade patriarcal, onde é conhecido o recurso à ameaça da castração contra os filhos/súditos que buscam mais poder. Mas tão logo determinada sociedade cresce, os elos de parentesco vão se tornando menos nítidos e com eles a autoridade patriarcal; de tal modo que os egoísmos individuais sentem-se, então, livres para a disputa pelo poder. É nessa altura de desenvolvimento que passam a se fazer necessários leis e medidas punitivas e surge o governo civil. Isso aconteceu não só na Europa e Ásia, mas com o Império do Mali na África e, nas Américas, com os Incas, Maias e Astecas.



XXIII. Não há mito exemplar contra o egoísmo – e o orgulho! –, contra a busca pelo poder e o desrespeito à autoridade mais representativo do que o de Lúcifer. Com ele a ameaça iminente da castração real torna-se ameaça transcendente de castração espiritual.



XXIV. Grande parte dos estudantes das ciências humanas é indigna de crédito porque são totalmente incoerentes: pretendem submeter todo o conhecimento a esfera subjetiva e tomam seus valores morais como objetivos.



XXV. O que muitas vezes sucede aos estudantes das ciências humanas é uma total ignorância das naturais, o que os faz deterem-se muito às pequenezas humanas e ignorarem a posição dessas em relação ao restante. O que é cinco mil anos de história humana em relação aos três bilhões de anos de evolução da vida na Terra? E o que se dirá então em relação aos cerca de quinze bilhões de anos do universo? O que é o planeta Terra em relação ao restante do cosmos? E o homem? Poeira cósmica!



XXVI. Não conheço maior negação à pluralidade do que a ideologia do pluralismo. A ideologia do pluralismo só aceita em seu seio, pluralistas. A lei natural e filosófica da pluralidade, por sua vez, mais que aceitar, deseja, não só pluralistas, mas também antipluralistas. A barulhenta e exaltada defesa da diversidade, hoje na moda, é, no fundo, rancor contra a diversidade.



XXVII. É comum em nossos dias os indivíduos que apóiam o pluralismo e o multiculturalismo se dizerem de “oposição”. O irônico nisso é que pluralismo e multiculturalismo são justamente a última versão do pensamento capitalista e globalizado, aquele que deseja expandir seu mercado – e para isso respeitar o seu cliente: “o cliente tem sempre razão!”. Qualquer cultura genuína a de negar a outra na exata medida que se afirma.



XXVIII. No aforismo anterior podemos perceber o quanto a cultura ocidental ainda é genuína: defendendo o multiculturalismo próprio aos seus interesses, nega o monoculturalismo das outras.



XXIX. Que a cultura ocidental seja superiora em poder em relação as demais é algo incontestável, a história e os fatos nos atestam; e que esse poder venha a nos levar a autodestruição em nada contradiz a nossa afirmação, pois como diziam os estóicos “o homem é superior aos demais animais porque é capaz de tirar sua própria vida”.



XXX. Comemoramos com nossa boa consciência o fato das disciplinas de História e Literatura, tanto Africana como Indígena, terem sido incorporadas ao plano de ensino dos níveis fundamental e médio da educação brasileira, acreditando que isso representa um passo adiante na luta contra o etnocentrismo europeu. “História” e “Literatura”, no entanto, não são conceitos por demais europeus para que sejam transplantados à culturas a eles estranhas? A tradição oral desses povos não passa a milhas de distancia da pretensão, respectivamente, científica e artística de tais conceitos? Não? Então, por que tanta fúria contra o valor científico de Homero? À parte a ilusão anti-eurocentrica, com certeza essas novas disciplinas são importantes para que compreendamos a formação da identidade brasileira, não tanto, é verdade, como são importantes o Grego e o Latim para a formação da identidade humana atual.



XXXI. Ao contrário do que costumeiramente se pensa, a paranóia não constitui em insanidade. Está mais sujeito a ela quanto mais racional for o homem.



XXXII. Temos todas as razões do mundo para desconfiar dos outros, mas para confiar neles apenas um vago desejo, algo muito mais produto dos afetos do que da razão.



XXXIII. Há dois tipos de loucos, os que são pouco racionais e os que o são em excesso.



XXXIV. A única loucura que podemos atribuir à paranóia consiste na loucura própria de ser excessivo e sistematicamente racional. Portanto, contra a paranóia é necessária certa dose de loucura.



XXXV. Se fosse dada ao paranóico a possibilidade de direcionar suas desconfianças, por certo que teríamos grande avanço na Ciência e Filosofia. O paranóico possui as duas virtudes mais caras ao pensador: a suspeita e o ruminar incessante.



XXXVI. O homem paranóico descobre verdades que permanecem imperceptíveis aos demais. Sua perdição está em colocar essas sacadas geniais a serviço de suas absurdas construções fantasmáticas.



XXXVII. Se fosse a intensidade dos sentimentos que fizessem de um homem santo ou libertino, o juízo final teria grandes problemas conosco.



XXXVIII. Os homens possuem a necessidade de rirem-se uns dos outros.



XXXIX. Não dê importância àqueles que te censuram por rir das deficiências dos outros; eles só querem deixar a tua vida tão triste quanto a deles.



XL. Não há nada que nos faça rir mais do que ver o próximo em uma situação ridícula e embaraçosa, pois a diversão não é isenta de egoísmo e as deficiências do outro são sempre uma agradável elevação de nós mesmos; isso pode ser comprovado vendo em que circunstâncias os macacos riem e explica a tão comum rabugice dos puritanos e moralistas.



XLI. Um homem não é superior por não rir dos outros, mas o é quando além de rir dos outros é capaz de rir de si mesmo.



XLII. O que para a grande maioria, nunca tomada por profunda indagação filosófica, é uma obviedade, para aqueles desgraçados por ela é – ao menos – um passo firme e seguro num mundo cheio de incertezas.



XLIII. A existência da aposta demonstra convicções não baseadas em razões. Não somos capazes de dar razões para determinada crença, mas, ainda assim, estamos dispostos a apostar valores altíssimos por ela. Isso comprova não só que o domínio dos motivos é muito mais amplo do que o das razões, como também que alguns motivos são tão ou mais confiáveis que as razões.



XLIV. Muitos motivos são razões esquecidas. Se alguma vez eu cheguei a determinada convicção através de um raciocínio, e se o tempo fez com que eu me esquecesse das razões que o fundamentavam, agora essa convicção me aparece apenas amparada em motivos, mas ainda eles me são suficientes e totalmente conclusíveis.



XLV. Um homem com muitas convicções e poucas razões que as sustentem é geralmente mal visto. De fato, essas criaturas cheias de certezas – ideologias e fé – não abertas ao escrutínio crítico e a defesa bem argumentada são realmente desprezíveis. Mas é preciso um cuidado para que não cometamos uma injustiça: devemos averiguar se essa pessoa não é apenas alguém com a memória fraca; devemos ver, também, se com as situações presentes esse individuo não é capaz de formular raciocínios bastante sofisticados, amparando suas posições recentes em razões convincentes; se esses pontos se confirmarem verídicos, esse indivíduo de modo algum é digno de descrédito e é de bom tom levar em consideração os seus motivos.



XLVI. Equívoco na avaliação corriqueira do quociente intelectual – Um homem com uma memória ampla, ainda que vagaroso no assimilar e estreito no entendimento, goza, muitas vezes, de uma reputação de mais inteligente do que um homem de grande entendimento e rápida assimilação, porém com uma memória parca. Pois que o primeiro lembra daquilo que assimilou e compreendeu, ainda que com grande dificuldade e penoso esforço, já o segundo pode parecer, muitas vezes, um charlatão ou um pedante que diz saber mais do que verdadeiramente sabe, comportando-se tal como se soubesse, mas que quando convidado a apresentar suas razões não o faz ou o faz de maneira desastrosa. Se interrogados por terceiros a respeito da verdade ou falsidade de A, supondo que os raciocínios incorretos e pouco penetrantes do primeiro o levaram a crer em A, e o segundo chegou, conforme ao seu raciocinar elaborado e arguto, a saber não-A; é muito provável que os terceiros se inclinem a acreditar no primeiro, pois esse conseguiu apresentar as suas razões – ainda que débeis – de crer em A, enquanto que o segundo foi incapaz de lembrar suas – corretas – razões. Esse último não será tomado de profundo desprezo por todos os “terceiros”? Por todos aqueles que querem ser persuadidos por outros a respeito das coisas que não são capazes de pensar com suas próprias cabeças? E já por toda a comunicação e crédito ao outro? Com que revoltada agonia já não ouvimos ele praguejar, pregado em sua cruz: “Oh Mnemósine! Por que me abandonastes?”



XLVII. Aos que são incapazes da pura contemplação das idéias e não tem por elas, em si mesmas, amor suficiente, deveria ser vetado o estudo da Filosofia. Até para a defesa do sensualismo tais atributos são requisitos indispensáveis. Filosofia é e será sempre idéias e amor as idéias.



XLVIII. Os estudantes de Filosofia de hoje carecem do próprio sangue da mesma, aquele que correu nas veias de Sócrates e o condenou a tomar cicuta, que queimou Giordano Bruno no Tribunal da Santa Inquisição e que condenou Schopenhauer a ter como único companheiro o seu poodle, Atma. Falta-lhes honestidade intelectual, fidelidade para com os próprios olhos e a decorrente desobediência e disponibilidade para correr riscos e cometer sacrifícios. Sua preocupação central é com a profissão, não com a vida. E tudo o que eles mais desejam, sucesso acadêmico, é justamente aquilo que mais impossibilita o sucesso filosófico.



XLIX. Como arranjar forças para tais riscos e sacrifícios senão por meio da apreciação estética do Filósofo?



L. A psicose faz com que o homem deixe de reconhecer os significados que emanam da realidade e passe a ser um significador da realidade. É preciso ainda outro deus?



LI. Diálogo:

– Eu sou!

– Mas tu mudas. Acaso tens medo da mudança?

– Se tivesse, não seria.



LII. Dizer que o trabalho é uma propriedade nossa ("o trabalho é a única propriedade do proletariado" Marx) é dizer que o corpo é nossa propriedade, visto que o trabalho nada mais é senão potência (conatus) do corpo. Mas dizer que o corpo é uma propriedade nossa é supor que existiríamos sem ele, o que não é muito consistente com o materialismo e ateísmo marxista. Nosso trabalho só pode ser propriedade de outro, uma vez que só a outro é permitido ter posse de nós mesmos (dos nossos corpos).



LIII. Não há nada mais reacionário que a posição revolucionária, sempre que o capitalismo age em nome do “progresso”, a oposição reage.



LIV. Os pais possuem culpa sim por aquilo que seus filhos se tornaram. Mas isso não é motivo de revolta, afinal eles não possuem culpa alguma de terem culpa.



LV. Antes do conhecimento da genética e da bioquímica, antes mesmo da própria química, quando os seus processos eram vistos como alquimia, que não deixava de conter em si certa dose de magia e sobrenaturalidade – porque eram paranormais –, é natural que se desse alto crédito ao arbítrio humano, afinal haviam homens, por exemplo, que levavam uma vida asceta, de total abstenção sexual. Aos outros homens, cujo instinto sexual era forte, como na maioria dos casos (e, portanto, como na “normalidade”, entendendo “normalidade” como “generalidade”), essa “escolha” não podia lhes passar indiferente, é certo que eram tomados por admiração, pois que as suas necessidades sexuais eram-lhes causadoras de inúmeras atribulações e sem tais necessidades todas essas atribulações cessariam. Não podiam deixar de ver nisso então certo heroísmo de escolha e expressão de força de vontade e, avaliando a atitude ascética do outro segundo a potência com que o instinto sexual pulsava em si mesmos – pois que eles não poderiam ter acesso a outra potência que não as suas próprias –, julgavam ainda que tal homem tinha algo de sobrenatural e divino (visto que tinha de paranormal, de diverso da generalidade) e tal raciocínio se dava porque, para eles, seria de fato sobrenatural que vencessem o próprio instinto sexual. Pois bem, assim como raros processos químicos, “paranormais” poderia se dizer, são hoje admitidos dentro das leis naturais, não possuindo nada de sobrenatural, também que alguns indivíduos de uma espécie não possuam características gerais da mesma – ou mesmo da própria vida – é algo admitido pela biologia como natural – enquanto disfunções hormonais e bioquímicas que respeitam aquela vontade da natureza, de que falam os neodarwinistas, de procurar a maior diversidade de caracteres dentro de uma espécie. Vejamos os padres: a maioria, cujo instinto sexual é forte, desrespeitam o celibato; outros, com a mesma constituição fisiológica, mas cuja fé oferece-lhe resistência, tornam-se sexualmente reprimidos e acabam cometendo atos de pedofilia – ele se identifica com o infantil porque o sexo tem-lhe qualquer coisa de feio e de proibido (como para as crianças) –; por fim, os “exemplares”, mesmo que sejam acometidos pelo desejo sexual, esse não é forte, de tal modo que, mesmo que a ele pareça uma tarefa árdua vence-lo “agarrando-se a Cristo”, não lhe é impossível, dado a pouca intensidade do seu libido. E a esses últimos as carolas veneram como exemplos de fé.



LVI. Muitos repudiam o determinismo porque pensam que com ele não poderíamos mais atribuir valores às ações e ao caráter de um homem, visto que esse não teria responsabilidade ou mérito algum naqueles. Ora, devotamos toda a nossa admiração à beleza e sempre estamos dispostos a valorizar a inteligência ainda que seus portadores não tenham mérito algum em os possuírem.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Não há outro caminho

"Os poemas podem ser desolados
como uma carta devolvida,
por abrir. E podem ser o contrário
disso. A sua verdadeira consequência
raramente nos é revelada. Quando,
a meio de uma tarde indistinta, ou então
à noite, depois dos trabalhos do dia,
a poesia acomete o pensamento, nós
ficamos de repente mais separados
das coisas, mais sozinhos com as nossas
obsessões. E não sabemos quem poderá
acolher-nos nessa estranha, intranquila
condição. Haverá quem nos diga, no fim
de tudo: eu conheço-te e senti a tua falta?
Não sabemos. Mas escrevemos, ainda
assim. Regressamos a essa solidão
com que esperamos merecer, imagine-se,
a companhia de outra solidão. Escrevemos,
regressamos. Não há outro caminho."

Rui Pires Cabral, Longe da Aldeia, Averno 2005.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

No Reino da "graça"

Se “graciosa” chamamos a donzela com jeito e graça
E palhaço que sabe fazer graça, dizemos “engraçado”
Lúcifer é por rabugice ou descompostura desgraçado?