terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Dita Von Teese: a rainha do burlesco

A estética Pin-up, com seus corsets, batom vermelho, delineador marcante, pele de branca de neve e cigarro de piteira, sempre exerceu sobre mim extrema fascinação. Mas quando a modelo em questão é Dita Von Tesse - a Betty Boop encarnada! - com seu olhos gigantes, seios deslumbrantes e o narizinho grego, só me ocorre uma palavra: VOLÚPIA.















Abaixo videoclipe de MOBSCENE do Marilyn Manson, com o qual Dita Von Tesse já foi casada e com quem atualmente briga na justiça pela posse dos gatinhos do antigo casal. No clipe há referências explícitas à Dita, inclusive ao seu mais conhecido espetáculo, onde ela se banha num copo de Martini Gigante.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

O Tédio

O Tédio

A melancolia tem beleza e cheio de lirismo é a tristeza;
A revolta tem vigor e no ódio há amor;
até da angústia faz o poeta facúndia
mas o tédio
é um tédio

terça-feira, 11 de outubro de 2011

poemeto

 
Construi em torno de mim uma muralha de livros
e embora sobre eles eu veja tudo de cima e mais além
- tal como a grande pirâmide de Quéops -
eles não deixam de ser o meu sarcófago e minha sepultura

terça-feira, 26 de julho de 2011

Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres



Como hoje ninguém mais tem saco para os fundamentos e as discussões verdadeiramente filosóficas e como eu não tenho saco para o destrinchar estéril de argumentos e o preencher inútil de páginas dos filosofólogos, i.e., dos acadêmicos ("inútil" não! justiça seja feita, pois gera milhares de empregos nas indústrias de papel), decidi imitar Diógenes Laércio e escrever o meu Vidas dos Filósofos, certo de que com isso cairei no gosto do nosso homem contemporâneo, sempre ansioso por biografias dos “grandes homens”, que o divirtam e o distraiam do grande fastio que são as suas. Já até visualizo, com isso, a minha obra se tornando best-seller e figurando na Veja e na Zero Hora como “Um dos maiores livros de todos os tempos [da última semana]”. Eu faço o que o público quer e ele me retribui com grana – bravo novo-mundo! – e ainda serei aclamado por ele como - ah! estou emocionado – “Filósofo”. 

Vamos começar, então, por Wittgenstein, pois ele é um daqueles “gênios incompreendidos” que adoramos ver no cinema, a fim de depois posar de intelectual e impressionar a namorada, citando Nietzsche, Van Gogh e Dostoievski, e comentar como a sociedade foi injusta com esses homens – isso, é claro, depois de se livrar daquele amigo chato e meio louco que só consegue nos colocar pra baixo.
Wittgenstein, na verdade, poucos sabem, foram dois. Wittgenstein I – nós brasileiros, pouco acostumados com os títulos de nobreza da aristocracia européia, dizemos “primeiro Wittgenstein” – foi um filósofo dos tradicionais (os “pqp’s”). Dotado de incrível inteligência matemática e raciocínio lógico, passou de engenheiro aeronáutico – profissão precoce onde inventou, com apenas 18 anos, um motor a jato – para a matemática aplicada e dessa para a pura, e da pura para os fundamentos da matemática, i.e., pela filosofia da matemática, ele só não chegou a Deus, porque Russell, filósofo esquizofrênico e freqüentador de bordeis, contaminou a genialidade daquele com a sua estapafurdice disfarçada de inteligência. Embora o axioma da infinitude de Russell tenha impedido Wittgenstein Pai de chegar ao ser perfeito e infinito1 – e ele chegaria, não restam dúvidas! –, esse escreveu um livro onde se vinga de seu traiçoeiro mestre2, o Tractatus Lógico-Philosophicus. No Tractatus Wittgenstein afirma que as relações entre os objetos não são reais, querendo dizer com isso que nunca teve relações com Russell – ontologicamente falando –, embora o filósofo gagá defendesse com unhas e dentes a realidade da relação. Outra afirmação do livro é que toda a filosofia não passou de um mal entendido a cerca da linguagem, esse mal entendido residiria na função da cópula: acredito que ele estava tentado, com isso, mostrar a Russell que mesmo tendo havido cópula, isso não implicava numa relação. Não se sabe bem ao certo a razão da morte de Wittgenstein I, mas se conjectura que teria tido um enfarto ao ver a ascensão dos regimes democráticos: filósofo circunspecto, reagia extremamente mal a opiniões pouco embasadas e confusão conceitual.
Wittgenstein II foi o extremo oposto do pai. Rebelde e revoltado, associou-se desde cedo a turma dos filósofos malditos (mais conhecidos como “odaras”). Lia Nietzsche, Schopenhauer, Kierkegaard e, dizem as más-línguas, obras de cristianismo e misticismo. Certa vez, num congresso entre os pensadores do círculo de Viena, discípulos de seu pai (os chamados “positivistas lógicos”), ao ver um de seus autores prediletos, Heidegger, ser duramente  acusado de charlatanismo, cujas obras supostamente “não diziam absolutamente nada”, levantou-se em sua defesa: “Mas eu o entendo perfeitamente!”, para vergonha de seu pai e horror dos companheiros, que tiveram a certeza que o filho rebelde estava envolvido com drogas. A verdade é que Wittgenstein II tinha complexo de Édipo, não pela sua mãe, o qual ele não teve3 – seu pai, taciturno, jamais tivera mulheres e, reto, jamais freqüentara prostíbulos –, mas pela sua avó: toda a sua existência consiste na negação do estilo de vida paterno e na afirmação do estilo da avó. Seu sonho era tocar piano, mas seu pai obrigou-lhe a trabalhar: conseguiu emprego, então, numa creche, mas como odiava trabalho, espancava as criancinhas. Sua principal obra, Investigações Filosóficas, reiterava ironicamente a afirmação do pai de que toda a filosofia não passava de um mal entendido a cerca da linguagem, com a diferença que a do pai também se incluía. Dizia também que nem a linguagem nem o pensamento possuíam uma essência (tese presente na Teoria da Figuração de Wittgenstein I) e que a Lógica, a única musa pela qual o pai teve poluções noturnas, nada mais era do que um jogo de linguagem. Reduzir a lógica a um jogo foi um mecanismo psíquico com que o inconsciente de Wittgenstein II se libertou da repressão paterna e ele pode, então, se entregar de vez  ao seu vício, a jogatina. Suas últimas palavras foram: “Digam a todos [principalmente aos positivistas lógicos] que [ao contrário do meu pai] a minha vida foi maravilhosa”.

1 Pois aquele velho safado estava convencido de que não se podia contar sem que existisse no mundo um objeto a mais para cada número contado, de modo que sempre que Wittgenstein queria chegar a Deus lhe caia um objeto na cabeça.
2 Mais filho-da-mãe do que Platão para com Aristóteles, que, como todos sabem, legou o seu posto na academia ao sobrinho. Aristóteles, então, em vez de acusá-lo de nepotismo, procurou se vingar, assim como fazem todos os filósofos, refutando-o: nascia o argumento do terceiro homem.
3 Wittgenstein II é o resultado de uma experiência fracassada num laboratório nazista de criação de bebês arianos perfeitos, sua gestação in vitro foi interrompida pelos ataques dos Aliados. A fertilização foi realizada com o sêmen do pai e o óvulo da avó, que era música e da qual Wittgenstein II herdou o gosto pela farra e boêmia.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Por uma psiquiatria individual

     É um erro classificar a fobia social como uma doença, sem mais, só porque a maior parte das pessoas são sociais. A boa medicina contemporânea[1] – não a da organização mundial de saúde, que estabelece arbitrariamente (ou melhor, segundo interesses burgueses de produtividade) definições de saúde sem qualquer embasamento biológico, pois biologicamente, levando em consideração o neodarwinismo, não há norma e, portanto, não há saúde –, bem como a psicanálise, admitem uma multiplicidade imensurável de variações das características humanas e uma singularidade inexorável de cada indivíduo. Afirmar que a fobia social é em si mesma uma doença é retroceder ao aristotelismo e postular uma sociabilidade inata a essência humana: “o homem é um animal social”; e isso, por que Aristóteles apoiava o conceito de normalidade no conceito de regularidade; “normal”, definia o filósofo, era o que acontecia “no mais das vezes”. Concepção superada pela bioquímica – que começa a abrir terreno hoje para uma futura medicina individual. É verdade que se a fobia social está afetando “negativamente” um individuo, impossibilitando a “expansão da sua personalidade”, como dizem os psicanalistas, e comprometendo a realização de seu projeto de vida, aí sim temos um problema; mas esse problema pode ser tão só a tentativa sempre frustrada de adequação a um padrão, de “enquadramento” – no sentido técnico lacaniano –, pelo não reconhecimento por parte do individuo que a sua “impotência é uma impossibilidade”. Porque a cultura, como imposição de normas e padrões para aquilo que é naturalmente único, internalizada como super-ego, reprime sempre as pulsões a ela contrárias.[2] Não só há indivíduos sem absolutamente necessidades sociais – não estou falando de necessidades pragmáticas (por exemplo, ter que se manter financeiramente), mas pulsionais  –, e infinitas graduações de sociabilidade, como há diferentes demandas subjetivas que levam os indivíduos a sociabilizar-se: alguns tem necessidade de muitas relações interpessoais para satisfação própria, outros são levados ao convívio social apenas por interesse sexual – tal como leopardos solitários que buscam um parceiro apenas na época de acasalamento. Por isso é necessário auto-conhecimento, mas não o “conhece-te a ti mesmo” socrático, feito pelo auto-exame consciente, pois a consciência é justamente em nós o produto da nossa cultura (a favor disso alegamos que a consciência opera com a linguagem e a linguagem é uma ferramenta social), de modo que sempre que julgamos a nós mesmos sob o ponto de vista consciente julgamos sob o ponto de vista do nosso rebanho, mas o saber inconsciente proporcionado pela análise e da fisiologia e bioquímica do nosso corpo singular.


[1] A medicina funcional, não a estrutural.
[2] A ignorância que os intelectuais das áreas das humanas tem em relação a natureza é repulsiva: resistem a todo custo ao determinismo natural, crentes que com isso salvam a subjetividade, quando é justamente na natureza que somos mais singulares. Se há algo que nos massifica é o âmbito social-cultural.

quinta-feira, 30 de junho de 2011


Imaginação

Certa vez, um desses homens de ação
parou-me e fez certa objeção:
"Tu não é pura imaginação?"
Sou contemplação, imaginação e criação
e, por isso, tres vezes tres vezes tres, homem de ação.

Eis o meu lema: se não é visceral não vale a pena!



TCC, uma grande dor de barriga: gravidez ou prisão de ventre?

     Sinto cá dentro de mim uma terrível dor de barriga que já dura meses. Constante foram as flatulências, mas de uns dias para cá tenho sentido certa dorzinha nos mamilos. Estariam minhas glândulas mamárias se preparando para dar força aquele que eu dei a luz? Se o motivo de minha cólica é um filho meu que se cria em minhas entranhas, logo o amor o meu cérebro embriagará e com um novo sentido para a vida saltitarei por aí como as endorfinas e serotoninas entre meus neurônios. Quero então amamentá-lo, torná-lo forte e viçoso e dele cuidar e lembrar pelo resto dos meus dias. E em meus derradeiros anos, quando tudo em mim já estiver se apagando, posso a ele visitar e sentir-me reconfortado com a certeza de que algo meu recem começa a brilhar. Mas se o que sinto é prisão de ventre e a dor dos seios não passa de evento fortuito prestes a acabar, quero ir logo ao banheiro livrar-me das sobras que a digestão rejeitou. O que no meu curso me foi proveitoso ou a língua do sabor degustou ou os nutrientes o corpo já metabolizou. O resto é fezes que não me servem! [compromissos acadêmicos]; nesse caso, quero puxar a descarga e dar o fora desse banheiro fedido.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Tour pela Costa Doce - Tapes e Arambaré

        No dia 15 de janeiro, farto de ser visto pelas criancinhas como uma espécie de bom velhinho que distribui picoles na praia - se bem que com certas criancinhas isso não era nada mal -, resolvi tirar umas férias da minha profissão de férias: sim, sou filósofo e picolezeiro. Tomei um ônibus para Tapes na rodoviária de Osório. Pretendia passar por Tapes, Arambaré, São Lourenço do Sul, Pelotas e Rio Grande. Foi o que fiz, só me arrependendo depois de ter feito a primeira parada. Tapes é incrivelmente feia e cinzenta. Possui  alguns prédios históricos, mas todos mal preservados e pequenos. Só fotografei a igreja na frente da praça central - não lembro o nome de ambas, sou péssimo com nomes - e o camping União, o lugar mais bonito da cidade - e olha que não é lá essas coisas -, onde pretendia passar a noite. Felizmente não tinha mais barraca disponível e pude me mandar para Arambaré. Minha impressão de Tapes foi tão negativa e lamentei tanto por vinte reais jogados no lixo que a zanga do meu inconsciente tratou de apagar as poucas fotos da cidade, ainda que a consciência - sempre nos enganando - quis me fazer crer que a causa fosse minha imperícia com a recém adquirida Kodak 14megapixels. Arambaré foi o extremo oposto! Extremamente pequena, com só quatro bairros, essa cidadezinha conquistou meu coração. A começar pelo difícil acesso em estrada de chão batido que se estende por quilômetros. As plantações de arroz da região atraem muitos passarinhos que ficam pela estrada e adoram perigo, pois só batem em arrevoada quando o ônibus já está em suas colas: pardais, pombinhas-rola, anuns solitários, ticos-ticos ainda são comuns por lá, varios grupos de azulões e muitos cardeais - dos de cabeça vermelha tinha vários, mas tive a dádiva de ver um de cabeça amarela, raríssimo! Infelizmente a estrada será asfaltada, o que vai acabar com aquela áurea de paraíso-perdido que tanto me impressionou em Arambaré. Bom, pelo menos a sua pontezinha singela de uma única mão vai permanecer, juntamente com as filas de carros que esperam pacientemente a travessia de um trator ou carroça que vêm da direção contrária.






da ponte eu não esqueci o nome






       80% da população de Arambaré é composta por pessoas de Novo Hamburgo, o que me fez sentir em casa - sou hamburguense. Não é preciso falar, então, que lá está cheio de lindas "alemoazinhas" (sic) recatadas e de olhos azuis - que saudade que eu sentia delas depois de um mês em meio aquela beleza vulgar e trivial dos corpões bronzeados e padronizados da playboyzada de Tramandaí! O mesmo aconteceu com a música, depois de um mês tendo meus ouvidos mijados por funk e sertanejo da moda, adivinha o que eu ouço sair de uma casa?  Queen! Vocês sabem o que é ouvir a voz de um Fred Mercury depois de tanto tempo ouvindo, todo santo dia, a mesma coisa saindo de carros todos iguais com os mesmos bonecos-autômatos de óculos escuros, corpos sarados, caras de bad boy e cérebros de pinico? Quem já experimentou o que estou dizendo certamente faz uma boa idéia do sentimento que teremos no dia da salvação! Lembro-me que correram-me lágrimas naquele instante: We are the champions...
       Arambaré é conhecida como a cidade das figueiras, elas estão por toda parte, inclusive na beira da lagoa. Seu principal ponto turistico é a suposta maior figueira do Brasil, com uma copa com mais de cinquenta metros de largura.


Vai aprender a tirar foto


    Arambaré reinvindica para si, também, o título de melhor carnaval da Costa Doce, rivalizando com São Lourenço do Sul. Deve ser realmente muito bom, pois tive a oportunidade de conhecer o de São Lourenço em 2007 e ele é mesmo incrível, não só pelos desfiles das escolas, que não ficam nem um pouco atrás das escolas de Poa - donde pode se concluir que deixam as de São Leopoldo comendo poeira - como, e principalmente, pelos foliões que no intervalo dos desfiles invadem a passarela travestidos - é engraçadissimo! Pelo folder que recebi na prefeitura, Arambaré, que tem menos de 4000 habitantes ,chega a receber 30000 turistas no feriado de carnaval. 30000 turistas em quatro bairrinhos de algumas quadras cada, deve ser um fervo, imagine como fica a travessia na ponte João Goulart! Além da figueira gigante, três são os outros pontos turisticos da cidadela: um antigo engenho, um barquinho e uma plataforma. A próxima foto mostra a imensidão da cidade:



     O fundo da lagoa em Arambaré é cheia de mexilhões e algas, os quais é inevitável não pisar, não chega a machucar, mas é desagradável; esse é o único ponto negativo. Arambaré deixou-me saudades: tão pequena, tão singela, acolhedora, com boas pousadas com preços bem baixos. Fiquei três dias numa e paguei só setenta mangos, tinha ventilador, geladeira, fogão, televisão, cama de casal, churrasqueira e até vara de pescar! Mas o melhor de tudo é certamente as pessoas: discretas, humildes, educadas, de bom gosto... e branquinhas de olhos claros!

o antigo engenho
o barquinho e a plataforma





centro de Arambaré: "bombando"





Próximo parada: São Lourenço do Sul!




terça-feira, 29 de março de 2011

Arte e Valor

O presente trabalho pretende fazer uma apresentação de como dois críticos de arte, Clement Greenberg e Harold Rosenberg, procuram fundamentar a experiência estética de duas diferentes correntes de vanguarda, respectivamente, a arte abstrata e a action painting (gestualismo), bem como o valor do objeto artístico na arte moderna e contemporânea. Clement Greenberg enfatiza o caráter formal da arte de vanguarda, mostrando como o abstracionismo se deriva de uma supressão do tema/conteúdo em prol da imitação dos próprios meios da produção artística. Harold Rosenberg, por sua vez, procura mostrar como a subjetividade do artista, inserido em seu contexto social e político, não pode ser isolado da apreciação da obra de arte final, uma vez que a arte, ao menos a action painting, é essencialmente uma ação e, visto que se deriva do expressionismo abstrato, trás junto consigo a crise e o desespero que impulsionam o artista a ação criativa. Já no que diz respeito ao valor da obra de arte, Greenberg ressalta a arte abstrata como o último estágio de uma evolução histórica e, portanto, como a mais superiora forma de arte relativamente a essa realidade histórica. Rosenberg, por outro lado, ao associar a sua corrente com uma metafísica da individualidade, reivindica para ela o mérito da fidelidade para com a tradição que toma o ser humano como tema supremo da pintura.


Clement Greenberg

Um fenômeno filosófico que mudou os rumos da cultura ocidental e balizou o século XIX foi o historicismo. Certamente esse fenômeno teve como principal pioneiro o pensamento hegeliano; embora tenham existido manifestações anteriores da ênfase na história para o empreendimento de compreensão da realidade, como é o caso da filosofia de Vico, nenhuma dessas atingiu grau de influencia e relevância próximos da filosofia de Hegel. A importância da história para o pensamento do século XIX pode ser ilustrada através de dois dos seus maiores representantes, Marx e Nietzsche. Ambos atribuem um papel fundamental a ela: para o primeiro, o materialismo histórico; para o segundo, o método genealógico. Sob o influxo do conhecimento histórico, ocorreu um alargamento da consciência dos indivíduos cultos; esses, ao reconhecerem a gênese de sua cultura e valores, reconheceram, ao mesmo tempo, o seu caráter contingente – uma vez que se originam de circunstancias históricas particulares. Com isso, o peso normativo desses valores foi comprometido; a tradição já não era mais acatada de forma inconteste. O conhecimento das relações causais que engendraram os múltiplos aspectos da realidade que lhes era atual permitiu aos indivíduos colocar tudo aquilo que até então havia sido tomado como as mais sagradas verdades sob suspeita. Surgia uma aguda crítica da sociedade e da história e, com essa, uma onda de negação dos valores tradicionais. Politicamente, essa onda se manifestou nos ideais revolucionários, como o marxismo e o anarquismo; esteticamente, surgia a boêmia e a vanguarda.
Com a dessacralização dos padrões sociais dominantes, operado pela crítica social, a antiga concepção sacra da arte, ou a serviço do sagrado, tornava-se obsoleta. No âmbito político, em virtude da revolução industrial, a burguesia tomava a posição antes ocupada pela aristocracia, de tal modo que a concepção de arte como educadora do caráter, do bom gosto e refinamento também perdia sentido. Qualquer papel formador ou moral que a arte havia tido até então passou a ser desprezado. Em suma, se a arte dependesse de qualquer ideal político, religioso ou ideológico, visto que esses estavam em ruínas, ela também estaria. A solução foi desvincular a arte de qualquer função pedagógica: surgia o esteticismo e o seu lema da “arte pela arte”. Ao mesmo tempo que a arte reclamava autonomia, os artistas se viam envoltos por um grande paradoxo: sua boêmia e sua arte pela arte consistia numa negação da burguesia e dos seus interesses filisteus; mas eles ainda dependiam das finanças burguesas para que pudessem continuar produzindo. Eles dependiam daquilo mesmo que repudiavam; só o patrocínio e a existência de um público burguês garantiam aos artistas as condições necessárias para que esses continuassem criando e fazendo arte – e desdenhando a burguesia. Essa contradição transformou o desprezo pela burguesia em desprezo por toda sociedade e pelos assuntos sociais e esse desprezo foi sentido pelos artistas como realização do seu projeto: arte pela arte. Como reflexo, as novas obras de arte fugiam ao tema, pois o tema imitava a realidade e a realidade continha um paradoxo que se desejava a todo custo evitar. Os artistas se voltaram então para o seu meio técnico de produção artística numa busca pela pureza da arte, i.e., daquilo que é essencial a ela, isolando-a do meramente contingente. É contingente a arte aquilo que não é arte, a dimensão política, ideológica ou religiosa que ela possa vir a adquirir. Tampouco é arte a expressão de sentimentos (como queria o romantismo) ou a comunicação de idéias ou qualquer outra coisa que diga respeito à subjetividade do artista. Além disso, é contingente para uma certa arte tudo aquilo que ela toma emprestado ou procura imitar de outras – “confusão das artes” –, como por exemplo quando uma pintura representa uma cena literária. É essencial a arte o meio que ela utiliza para se realizar: tintas, pincel e pinceladas no caso da pintura e suporte material no caso da escultura.
Com a supressão do tema, a arte abstrata erige a própria forma como seu conteúdo. Em virtude da valoração do meio, a pintura abstrata procura recuperar a planaridade própria a bidimensionalidade da tela e a escultura procura deixar, aqui e ali, partes do material original não esculpido ou uma textura não acabada (uma superfície de pedra não polida, tábuas ainda com felpas ou rachaduras na argila). Visto não imitar nada na natureza (ela imita a imitação, dirá Greemberg, i.e., os meios de produção artística), a arte abstrata não depende de nada externo a ela, ela vale por seus próprios termos e, assim, toca o absoluto. O novo artista brinca de Deus ao criar algo que, tal como o mundo, não pode ser reduzido a nenhum referente externo ou modelo original.
Essas considerações históricas a cerca dos motivos pelos quais a arte suprimiu o objeto/tema, bem como certo conhecimento dos meios técnicos da produção artística, além da intenção do artista de fazê-los transparecer em sua obra, se mostram, portanto, indispensáveis, não só para reconhecer o lugar da arte abstrata dentro da história da arte, mas, antes disso, para que ela seja capaz de despertar no receptor a experiência estética ao qual se propõe:

“Os valores últimos que o espectador culto encontra na pintura de Picasso são obtidos num segundo momento, como resultado da reflexão sobre a impressão imediata deixada pelos valores plásticos. E só então entram em jogo o reconhecível, o miraculoso e o evocativo. Estes não estão imediata ou externamente presentes na pintura de Picasso, precisando ser nela projetados pelo espectador sensível o bastante para reagir adequadamente a qualidades plásticas. Pertencem ao efeito ‘refletido’”

Deste modo, temos que a experiência estética depende da capacidade do receptor de refletir a cerca das qualidades plásticas em articulação com a realidade histórica e a evolução da arte. Mas, se por um lado a experiência estética da arte abstrata depende das condições subjetivas do receptor, no sentido de estar historicamente pronto para ela,
a altura de fazer a reflexão adequada sobre ela, o valor das obras de arte são objetivos – para a consciência coletiva da elite cultural de determinado tempo histórico. Essa objetividade se deve a evolução da história da arte. A arte abstrata é a melhor arte da atualidade devido a “um momento particular alcançado numa tradição particular de arte”; não há nada que a faça, dissociada da história, superiora as demais; sua superioridade não é metafísica, é válida nesse momento específico e de modo algum perpetuará eternamente.



Harold Rosenberg

Rosenberg afirma que a arte carrega consigo o artista, que a experiência estética da obra de arte não pode abrir mão do processo de criação e do fazer – artístico –, e que faz parte desse processo não só a ação e os gestos do artista, mas antes disso o contexto político onde ele se inicia, bem como o conhecimento pessoal do artista no momento da
criação. Fazer arte é agir e a ação artística é também uma ação política: “O pintor americano descobriu uma nova função para a arte como a ação que pertencia a ele próprio”. A principal característica da arte de vanguarda é que ela surge de uma crise não só da arte, mas de toda a sociedade:

“Quando se elimina da interpretação da obra os sinais que apontam para a situação do artista e as conclusões que ele extrai dela, o saldo final é substituir uma apreciação da dinâmica de crise da pintura contemporânea por um profissionalismo árido que é uma caricatura do esteticismo de meio século atrás”

O lema da arte pela arte elimina a experiência pessoal do artista, os seus sentimentos de confrontação, de impasse, de purificação enquanto cria. A action painting procura ser uma linguagem de descontentamento social e, além disso, recuperar o sentido metafísico da arte. Seu problema metafísico é o da individualidade: o artista ao pintar luta por uma identidade, essa luta pela identidade através da arte constitui a vida do artista, a vida do artista é uma afirmação da existência individual e da liberdade individual, o artista reproduz na força dos seus gestos, que resultam em manchas rompantes de tinta, o seu desespero em querer ser “Eu mesmo”. A action painting recupera o caráter ritualístico da arte, esquecido desde os gregos, a sua magia consiste na dança do dripping, i.e., em todos os gestos habituais envolvidos no fazer artístico agora executados automaticamente e segundo o impulso do desespero:

“O conteúdo da action painting é o drama de criação do artista no beco sem saída de uma época que identificou seus problemas mas deixou que eles se tornassem incontroláveis. Nessa situação, o desempenho criativo tem sido, via de regra, uma fase num ritmo de confusão, sofrimento, relaxamento e até autodestruição – ou, nos termos da fórmula de Thomas Mann, da aliança da criação com a doença, ao mesmo tempo moral e física.”

As pinturas são resultado dos pintores, não se geram umas das outras segundo uma lei impessoal. A arte é ação e a ação produto de uma crise. “Esquecer a crise –individual, social, estética – que gerou a action painting, ou ocultá-la, é distorcer de maneira grotesca a realidade da arte americana no pós-guerra”. A action painting possui uma contradição fundamental que a torna apropriada para a época de crise, seu dilema consiste em seu estatuto um tanto quanto dúbio: 1) não é pura ação, porque se o fosse não geraria pinturas e não seria arte, mas vida; 2) a sua pintura, que é produto da ação, não se basta em si mesma; o caráter de arte da obra está na conjunção entre pintura e ação. Pollock literalmente entrava dentro da pintura, mas no sentido figurado todo artista do expressivismo abstrato entra dentro da pintura, ao se marcar nela. O valor da arte consiste em não se reduzir a mediocridades formalistas que negam a individualidade e o ser humano como tema supremo da pintura. A respeito disso, Allan Kaprow diz:

“Jackson Pollock talvez fosse a encarnação de nossa ambição por uma libertação absoluta e um desejo secretamente compartilhado de virar as velhas mesas cobertas de quinquilharia e champanhe choco”.





segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011