quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Amor próprio

     Reaprender a se amar, redescobrir o valor de si mesmo, reconciliar-se com o seu Eu mais íntimo e imutável: sublime tarefa que tenho realizado como atividade lúdica - meios diletantes para fins gloriosos e "absolutos": eis a minha fórmula para o viver! Se cheguei ao total desprezo por mim mesmo, se por tempos mantive-me na auto-renuncia, isso é porque já me alcei a dez mil pés acima de mim mesmo. O desprezo é o privilégio dos que sentem vertigem. Mas do fato de eu não me dar valor não significa que eu não o tenha, muito pelo contrário... Tanto menos paga o ourives pelo ouro quanto mais o tem. Além disso e preponderantemente, não tem valor de uso o próprio usador - ao menos que se deixe usar, mas isso não é próprio senão aos dotados de qualidades femininas... -; é só nas relações que se estabelece um valor, e esse valor é, sempre, valor de troca - disso todos tinham ciência na época de Homero, quando ainda não havia a relação com o Pai. Os homens são por demais inseguros para reconhecer valor naquilo que ainda não foi avaliado; o que dizer, então, daquilo que foi avaliado negativamente por um seleto avaliador? Mas cuidado quando esse último é o próprio objeto de sua avaliação: seus critérios e bom gosto não satisfazem a si mesmos.
     Para a reconciliação de si faz-se necessário acima de tudo afastar a idéia de que a liberdade consiste em ser aquilo que se quer - isso é escravidão -, pois ser livre é querer ser aquilo que, desde sempre, se é. Depois disso, depois da jubilosa afirmação incondicional do Eu, surge espontaneamente, e como que num estado de graça, o desejo de cuidar de si. E cuidar de si é cuidar do seu corpo, ou melhor, do corpo que você é. Uma loção hidratante se transforma, então, numa oportunidade de se fazer carinho, e esse carinho, um sincero pedido de desculpas. Daqui surge a minha fascinação pela Mulher. Fascinação é mais que o desejo de posse, que um superficial reconhecimento da beleza que se volta todo para o sexo, para a carne e para os órgãos sexuais. Fascinação é, sem dúvida, sexo. Não é amor. Orienta-se para a carne, não para a alma, mas a carne é sublimada, a beleza sacralizada. É sexo num sentido muito mais amplo, quase espiritual, onde cada folículo da pele se torna uma divindade própria digna de reverencia. E o maior segredo da Fascinação é não somente querer ter, mas ser. A mulher, na sua vaidade, no seu querer bem a si mesma, nos lábios que fazem um biquinho que se torce para os lados só para disfarçar um sorriso de satisfação quando se descobre observada, revela a sua pericia no amor próprio, num egoísmo felino que justifica eternamente o termo "Gata".  
     Existem, porém, dois tipos de cuidados com o corpo: aquele que quer o melhor para si, que quer fazer surgir a sua mais bela forma possível; e aquele que quer se transformar num outro, que emana do ódio ou vergonha de si. No primeiro caso, o cuidado com o corpo é uma forma de carinho, de amor, no último, uma agressão. Cuidar do seu corpo, dedicar-se a si mesmo, proporcionar prazer aquele que é seu maior e inseparável companheiro, admirar-se no espelho, passar um protetor solar no rosto ao mesmo tempo em que o acaricia e o deseja. O Rosto, como diria Lévinas. O transcendente no imanente e o infinito contido dentro do finito; o fundamento, para esse filósofo, do comportamento ético. Quem acaricia um rosto acaricia uma alma.
      

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