Relendo
Édipo Rei, se enraízou mais fortemente em mim a percepção de que o homem
deseja a todo custo afastar de si a dimensão trágica da existência - e
olha que, no presente caso, estamos falando dos gregos, o que se poderia
dizer dos nossos dias de otimismo pseudocientífico com suas autoajudas
"quânticas"? -, qual seja, a de que somos impotentes, ao menos em
situações-limites impostas pelo acaso,
em relação ao nosso próprio destino e que nosso futuro é,
consequentemente e em última análise, imprevisível. Por certo que
ninguém desejaria ser Édipo, padecer de seus infortúnios, isso é
natural; mas o nosso anseio de auto-realização, nossa busca pela
"felicidade", vai bem mais além disso, não gostaríamos nem mesmo de
conhecer Édipo, de ter diante dos olhos tal dor e aberração, de ser
apresentado à realidade no que ela tem de mais terrível, de ser
arrancado a força de nossa bolha ideal (morna como o útero materno) como
bem atesta o Corifeu, logo após Édipo ter-se cegado: "Ah! Se eu jamais
te houvesse conhecido, Édipo!". Em suma, queremos manter intacto não só o
nosso corpo, nossa dignidade e nossa honra, queremos manter intacto
também nossas ilusões e nossa ingenuidade, pois sabemos que tanto como
as primeiras, as últimas também são condições para a tal "felicidade".
Amor Fati
Há 11 anos
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