terça-feira, 11 de março de 2014


    Relendo Édipo Rei, se enraízou mais fortemente em mim a percepção de que o homem deseja a todo custo afastar de si a dimensão trágica da existência - e olha que, no presente caso, estamos falando dos gregos, o que se poderia dizer dos nossos dias de otimismo pseudocientífico com suas autoajudas "quânticas"? -, qual seja, a de que somos impotentes, ao menos em situações-limites impostas pelo acaso, em relação ao nosso próprio destino e que nosso futuro é, consequentemente e em última análise, imprevisível. Por certo que ninguém desejaria ser Édipo, padecer de seus infortúnios, isso é natural; mas o nosso anseio de auto-realização, nossa busca pela "felicidade", vai bem mais além disso, não gostaríamos nem mesmo de conhecer Édipo, de ter diante dos olhos tal dor e aberração, de ser apresentado à realidade no que ela tem de mais terrível, de ser arrancado a força de nossa bolha ideal (morna como o útero materno) como bem atesta o Corifeu, logo após Édipo ter-se cegado: "Ah! Se eu jamais te houvesse conhecido, Édipo!". Em suma, queremos manter intacto não só o nosso corpo, nossa dignidade e nossa honra, queremos manter intacto também nossas ilusões e nossa ingenuidade, pois sabemos que tanto como as primeiras, as últimas também são condições para a tal "felicidade".


Nenhum comentário: