terça-feira, 12 de julho de 2011

Por uma psiquiatria individual

     É um erro classificar a fobia social como uma doença, sem mais, só porque a maior parte das pessoas são sociais. A boa medicina contemporânea[1] – não a da organização mundial de saúde, que estabelece arbitrariamente (ou melhor, segundo interesses burgueses de produtividade) definições de saúde sem qualquer embasamento biológico, pois biologicamente, levando em consideração o neodarwinismo, não há norma e, portanto, não há saúde –, bem como a psicanálise, admitem uma multiplicidade imensurável de variações das características humanas e uma singularidade inexorável de cada indivíduo. Afirmar que a fobia social é em si mesma uma doença é retroceder ao aristotelismo e postular uma sociabilidade inata a essência humana: “o homem é um animal social”; e isso, por que Aristóteles apoiava o conceito de normalidade no conceito de regularidade; “normal”, definia o filósofo, era o que acontecia “no mais das vezes”. Concepção superada pela bioquímica – que começa a abrir terreno hoje para uma futura medicina individual. É verdade que se a fobia social está afetando “negativamente” um individuo, impossibilitando a “expansão da sua personalidade”, como dizem os psicanalistas, e comprometendo a realização de seu projeto de vida, aí sim temos um problema; mas esse problema pode ser tão só a tentativa sempre frustrada de adequação a um padrão, de “enquadramento” – no sentido técnico lacaniano –, pelo não reconhecimento por parte do individuo que a sua “impotência é uma impossibilidade”. Porque a cultura, como imposição de normas e padrões para aquilo que é naturalmente único, internalizada como super-ego, reprime sempre as pulsões a ela contrárias.[2] Não só há indivíduos sem absolutamente necessidades sociais – não estou falando de necessidades pragmáticas (por exemplo, ter que se manter financeiramente), mas pulsionais  –, e infinitas graduações de sociabilidade, como há diferentes demandas subjetivas que levam os indivíduos a sociabilizar-se: alguns tem necessidade de muitas relações interpessoais para satisfação própria, outros são levados ao convívio social apenas por interesse sexual – tal como leopardos solitários que buscam um parceiro apenas na época de acasalamento. Por isso é necessário auto-conhecimento, mas não o “conhece-te a ti mesmo” socrático, feito pelo auto-exame consciente, pois a consciência é justamente em nós o produto da nossa cultura (a favor disso alegamos que a consciência opera com a linguagem e a linguagem é uma ferramenta social), de modo que sempre que julgamos a nós mesmos sob o ponto de vista consciente julgamos sob o ponto de vista do nosso rebanho, mas o saber inconsciente proporcionado pela análise e da fisiologia e bioquímica do nosso corpo singular.


[1] A medicina funcional, não a estrutural.
[2] A ignorância que os intelectuais das áreas das humanas tem em relação a natureza é repulsiva: resistem a todo custo ao determinismo natural, crentes que com isso salvam a subjetividade, quando é justamente na natureza que somos mais singulares. Se há algo que nos massifica é o âmbito social-cultural.

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