O escritor e roteirista de HQ Alan Moore
(Foto: Divulgação/Top Shelf)
Para os seus muitos fãs espalhados pelo mundo, Alan Moore é Deus.
Para alguns de seus desafetos, como o Warner Bros., estúdio que
transportou obras suas como “Constantine”, “V de vingança” e em
breve
“Watchmen” às
telas dos cinemas, Alan Moore pode ser o Diabo na Terra.
Roteirista de histórias em quadrinhos, romancista, ex-colaborador
do semanário britânico “NME”, músico e - mais recentemente
- estudante aplicado de magia, este senhor inglês de 53 anos é
geralmente creditado como um dos principais responsáveis por
levar as HQs à fase adulta.
Conheça
as principais obras de Alan Moore
Nove vezes vencedor do Prêmio Eisner, o mais
importante do gênero nos Estados Unidos, Alan Moore envolveu-se
em disputas legais com as duas maiores editoras de HQ dos
Estados Unidos, Marvel e DC, e desde então passou a produzir
seus trabalhos de forma esporádica e independente.
E foi graças a essa independência que ele conseguiu botar nas
prateleiras recentemente sua obra mais polêmica e ambiciosa,
“Lost girls”, um mergulho nas aventuras eróticas de três das
mais populares personagens da literatura infantil: Alice, de
“Alice no país das maravilhas”, Wendy, de “Peter Pan”, e
Dorothy, de “O mágico de Oz”. O primeiro dos três volumes da
obra, caprichosamente ilustrada por sua atual esposa, Melinda
Gebbie, já foi lançando no Brasil pela editora Devir.
Por telefone direto de Northampton, cidade onde
nasceu, cresceu e de onde não pretende sair tão cedo, Alan Moore
falou com exclusividade ao
G1 sobre “Lost
girls”, mangás, Hollywood, Harry Potter e até Paulo Coelho. E
falou muito. Abaixo seguem os principais trechos da conversa.
Alice, aos 60 anos, diante do espelho
(Foto: Reprodução)
G1 - Por que você escolheu Alice, Dorothy e Wendy como
protagonistas de ‘Lost girls’? Acredita que já houvesse um
conteúdo sexual nas entrelinhas nos livros originais dessas personagens?
Alan Moore – É um pouco complicado de responder
a essa questão. Desde meados dos anos 1980 eu vinha pensando se
seria possível produzir uma obra extensa sobre sexo que tivesse
todas as qualidades que se pode esperar de qualquer romance ou
obra de arte. Uma idéia que eu já tinha envolvia “Peter Pan”.
Porque, de acordo com [o pai da psicanálise] Sigmund Freud, os
sonhos de vôos são também sonhos de expressão de sexualidade.
Como há muito vôo em “Peter Pan”, pensei então que talvez fosse
possível fazer uma versão sexual dessa história. Mas não fui
muito longe porque concluí que tudo o que acabaria fazendo seria
uma paródia sacana da história de Peter Pan. Foi só quando
encontrei [a atual esposa e desenhista de ‘Lost girls’] Melinda
Gebbie que a idéia começou a tomar forma. Falamos sobre as
possibilidades de se criar um trabalho de pornografia de fôlego
e mencionei minha pouco entusiasmada idéia sobre “Peter Pan”.
Melinda disse que sempre havia gostado de ter três mulheres como
protagonistas das histórias que fazia por gostar mais da
dinâmica que se pode desenvolver dessa forma. Ela escreveu uma
HQ chamada “My three swans”, que tinha uma relação de três
mulheres. Então as duas idéias se cruzaram e comecei a pensar:
se Wendy, de “Peter Pan”, fosse uma das três mulheres, quais
seriam as outras duas? Daí foi um passo bem curto até Dorothy,
de “O mágico de Oz”, e Alice, de “Alice no país das maravilhas”.
Uma vez que chegamos a essas três personagens ficou óbvio que
era uma grande combinação para contarmos a história que
queríamos. Nem tanto porque já houvesse algo de erótico nas
personagens, mas pela natureza dessas três histórias, em que
três jovens garotas são retiradas de suas vidinhas confortáveis
e familiares e colocadas em mundos estranhos e fantásticos em
que nenhuma das leis normais da realidade é a mesma, e as
pessoas que encontram são bizarras ou grotescas. Pensamos que
isso nos daria uma metáfora perfeita para o modo como a maioria
das pessoas descobre a sua sexualidade, provavelmente quando
criança - ou mesmo aos 30 anos. Essa experiência sexual é um
marco muito importante para sinalizar o fim da infância.
Entramos nesse mundo como crianças, achamos tudo estranho,
populado por seres peculiares, mas, como Alice, Dorothy e Wendy,
encontramos nossas respectivas terras das maravilhas. Esse nos
pareceu o veículo perfeito para explorar as conexões entre
realidade e fantasia, entre realidade sexual e fantasia sexual e
explorar a imaginação sexual humana na pornografia. Foi
basicamente daí que veio a idéia.
Furacão simboliza descoberta da
sexualidade de Dorothy, de "O mágico de Oz" (Foto: Reprodução)
G1 – No livro, Alice, Wendy e Dorothy só se encontram
quando adultas, mas com idades diferentes. Como resolveram
essa questão?
Moore - Tentamos chegar às idades das
personagens de acordo com as datas de publicação originais dos
livros. E, nessa cronologia, acabamos com uma janela de
oportunidades bem estreita para o período em que essas três
mulheres poderiam ter se encontrado. Não queríamos que Alice
fosse muito velha, nem que Dorothy fosse tão jovem. Alice tem
por volta de 60 anos. Dorothy tem cerca de 20. As três têm
aproximadamente 20, 40 e 60, que são idades bem distintas no
desenvolvimento de uma mulher. Tentamos também fazer três tipos
de corpos bem diferentes porque estávamos um pouco cansados do
tipo comum de erotismo em que todo corpo tem de parecer de
alguém de 25 anos, bonito e musculoso, quando, na verdade, os
seres humanos somos de todos os tamanhos e formas. E a maioria
de nós ama sexo. Então tentamos representar as imagens dessaas
mulheres de maneiras um pouco mais inclusivas e abrangentes.
Além disso, as personagens vêm de três classes sociais bem
distintas. Temos a aristrocrática Lady Fairchild [Alice], temos
Wendy, de classe média, e temos Dorothy, uma americana vinda de
uma família fazendeira. Eram muitas as coisas com as quais
podíamos brincar no curso da história. Percebemos ainda que a
época em que as três teriam se econtrado seria provavelmente
entre 1913 e 1915. E isso nos trouxe possibilidades imediatas:
[o balé] “A sagração da primavera”, de Stravinsky, tinha sido
encenado em 1913 na Ópera de Paris; o assassinato do Arquiduque
Francisco Ferdinando aconteceria dentro de um ano, provocando a
Primeira Grande Guerra. Aquele era um pano de fundo
incrivelmente sombrio e convincente para ambientarmos a nossa
frívola fantasia sexual.
G1 – Acha que os eventos históricos servem para
contra-balancear com o lado mais fantasioso da história?
Moore – Sim, é claro que ajuda ter ao menos um
elemento de realidade em que ancorar a sua história, mas acho
que, nesse caso, serve mais para dar um toque artístico e
inteligente para embalar a nossa fantasia sexual. Para passar
uma mensagem com mais peso dramático e fazer uma comparação
entre a quantidade de imaginação sexual que é retratada no hotel
que serve de palco para a história e a falta de imaginação
representado pela Primeira Guerra. Suponho que a mensagem geral
de “Lost girls” seja algo tão simples como faça amor, não faça
guerra. A idéia é abrir esta mensagem e expandi-la usando a
história para tentar mostrar todas as possibilidades
maravilhosas da imaginação humana que são completamente apagadas
pela guerra. A Primeira Guerra Mundial foi algo que os europeus
provalvemente jamais vamos superar, até hoje. Algo que, de
muitas formas, partiu o coração da Europa. O tanto de cultura
destruída é impressionante se você começar a pensar no número
potencial de artistas, poetas, cientistas e médicos que morreram
em trincheiras. Há um custo incrível para toda guerra, muito
freqüentemente um custo invisível. Claro que vemos a destruição
e sabemos que existem poetas que conseguiram escrever o
suficiente para que seus trabalhos superassem as suas mortes.
Mas de quantos outros poetas, artistas e músicos nunca ouvimos
falar porque foram mortos antes que sequer tivessem começado a
trabalhar em seu primeiro trabalho? [Com “Lost girls”] Quisemos
contrastar toda a riqueza artística daquele período de 1913,
1914 com o que estava acontecendo politicamente. Foi um tempo
muito interessante. Na moda, era quase o fim da Belle Époque e o
começo de uma era completamente diferente que se tornaria o
Flapper dos anos 1920. No mundo da arte, havia o declínio do Art
Noveau, com suas formas românticas e belas, e a chegada do
Modernismo. Era o racha entre dois mundos, o velho e o novo.
Incluindo isso tudo em “Lost girls”, queríamos sinalizar que não
estávamos fazendo só um trabalho de pornografia, mas um trabalho
de pornografia que tivesse profundidade genuína e ressonância
moral. Claro que o quanto nós fomos bem-sucedidos nisso cabe ao
leitor avaliar (risos).
Capa de uma edição do "The Yellow
Book", que trazia textos e desenhos de autores
considerados malditos no século XIX (Foto: Reprodução)
G1 – No móvel de cabeceira dos quartos do Hotel
Himmelgarten, em “Lost girls”, há sempre um livro
pornográfico chamado “White book” e que inclui referências a
trabalhos eróticos de Oscar Wilde, Aubrey Beardsley e
outros. Qual era a situação da pornografia naquela época?
Moore - Quando essas coisas estavam sendo
publicadas, os pastiches que incluímos no “White book”, muito do
que era usado fazia parte do movimento conhecido como
Decadentismo, que foi de mais ou menos 1880 a 1920. Existia um
grande número de leitores para isso, mas, na época em que foram
publicados, era contra a lei produzir trabalhos como esses. E
havia grandes heróis daquele período, como Leonard Smithers, que
publicou a maioria dos artistas e escritores do Decadentismo,
incluindo Pierre Louÿs e Aubrey Beardsley. Até que o julgamento
de Oscar Wilde [pela acusação de homossexualismo] praticamente
dinamitou a cena do Decadentismo. Quando estava caminhando de
sua casa em Londres em direção ao táxi que o levaria até a
primeira audiência, Wilde estava carregando “um” livro amarelo
debaixo do braço, que provavelmente era apenas um livro de capa
amarela. Mas a imprensa não fez a distinção e disse que ele
estava carregando “o” livro amarelo [referência ao periódico
britânico “The Yellow Book”, que editava boa parte dos artistas
do Decadentismo]. A publicação foi banida da existência e a
maioria dos artistas que estavam nela ficou envergonhada de
estar ligada a Wilde. A arte erótica sempre foi um pouco
problemática, com a exceção de que, hoje, ela não é mais um
problema.
G1 – Não? O que quer dizer com isso?
Moore - Nós temos pornografia em todo lugar.
O
problema é que a qualidade dessa pornografia está bem bem
distante do padrão estético daquela época que representamos no
“White book”. A pornografia que temos hoje parece não ter nenhum
valor artístico, parece criada para estimular as pessoas a
qualquer outra coisa que não sexo. Uma das melhores coisas da
arte, da arte genuína, é que quando vemos uma imagem ou
descrição de algo que se relacione com um sentimento que temos e
não conseguimos expressar, ela nos faz sentir menos sozinhos. E
o que a pornografia de hoje faz é o exato oposto. Faz com que
você se sinta envergonhado, mais sozinho do que nunca. Vemos ou
lemos pornografia sozinhos, como se o nosso prazer fosse algo
para se envergonhar, algo deplorável. E isso é uma tremenda pena
se pensarmos que se trata de uma atividade humana tão prazerosa.
Praticamente todos os diferentes gêneros de ficção que temos
hoje são baseados nessas áreas improváveis da atividade humana,
como caubóis, detetives e monstros. Enquanto aquilo que mais
temos em comum, que é algum tipo de prazer sexual, só pode ser
abordado nesse gênero grosseiro, tolo e por baixo do pano pelo
qual todos se sentem culpados e envergonhados. O que
pretendíamos com “Lost girls” era eliminar essa relação imediata
entre pornografia e vergonha. Pensamos que se pudéssemos
produzir uma pornografia que fosse bela o suficiente e
inteligente o suficiente e séria em sua aplicação então talvez
fosse possível que pessoas civilizadas e dignas não se sentissem
envergonhadas de ter uma obra pornográfica em suas casas.
Capa do primeiro livro da edição
brasileira de "Lost girls", da Devir (Foto: Divulgação)
G1 – No caso de “Lost girls”, aliás, a embalagem luxuosa
ajuda muito.
Moore – É tão elegante! Foi idéia da Melinda.
Ela insistiu que queria que a embalagem evocasse a mais alta
qualidade que tinham os livros da literatura infantil durante a
Era Vitoriana. Quisemos agregar aqueles maravilhosos valores de
produção ali para que ninguém confundisse esse livro com algo
barato e mal-feito.
G1 – Mas, considerando os personagens – Alice, Wendy e
Dorothy – e o fato de se tratar de histórias em quadrinhos,
não pode haver o risco de alguém comprar achando que é um
livro para crianças?
Moore - Não acho provável. “Lost girls” não se
parece com nenhum livro infantil atual. Não sei de nenhuma
criança que costume comprar livros de 1890, que é o tipo de
coisa que estamos evocando. E, claro, o preço é muito alto para
uma criança. Além disso, no pacote da versão americana há avisos
que deixam muito claro se tratar de uma obra erótica. Estamos
informando os lojistas para que só vendam para adultos, pois
poderia trazer problemas para as próprias lojas. Só um pai muito
irresponsável compraria isso para seu filho sem saber.
G1 – A história e as ilustrações de “Lost girls” trazem
referências explícitas a grandes tabus da sociedade
ocidental, como abuso infantil, incesto e uso de drogas. E
isso tudo num universo que pertence à literatura infantil.
Vocês encaram esse trabalho como uma provocação política?
Moore - Não pensamos em provocar. Claro que já
houve problemas com censura no passado. Somos adultos
inteligentes e sabíamos que haveria chance de algumas pessoas
verem a obra como algo provocativo. Mas, honestamente, não
estávamos tentando chocar ninguém. Nunca pretendemos fazer uma
paródia sexual selvagem desses três livros. Primeiramente,
porque temos muito respeito por esses três livros e nos
certificamos de que nossas versões das personagens fossem fiéis,
de certo modo, às visões dos autores originais. E são
personagens poderosas. Não acho que existam circustâncias
degradantes a elas no curso do livro. Mas percebemos que se
iríamos falar sobre pornografia, sobre a imaginação sexual
humana, então teríamos de ser honestos a respeito desse mundo.
Teríamos de falar até dos cantos mais sombrios da imaginação
sexual humana. E claro que há um certo pânico moral sobre isso.
Não sei como é no Brasil, mas certamente nos Estados Unidos e na
Inglaterra e em outros países na Europa tem uma preocupação
muito grande com relação a esses assuntos e que, às vezes, se
torna histeria. Ao mesmo tempo, toda a nossa cultura anda em
direção de erotizar tudo, incluindo as crianças, para vender de
salgadinhos a carros e bandas pop, como por exemplo as Spice
Girls. Elas popularizam essa idéia de sexualização para as suas
fãs, que são na maioria meninas de dez anos. Temos uma cultura
que se apóia em uma imagem sexualizada de meninas muito jovens
ou que se parecem muito jovens. A revista “Barely Legal”, se
baseia nisso e é muito popular. Parece que nós gostamos desses
pensamentos depravados, mas ao mesmo tempo há um surto de fúria
moral. Enquanto que, em países como Espanha, Holanda ou
Dinamarca, há uma atitude diferente com relação à pornografia,
ela está bem mais acessível, até a mais pesada está disponível
em bancas de jornais. E passa praticamente despercebida, é algo
em que ninguém presta muita atenção. Aparentemente tem muito
mais pornografia, mas ela é muito menos dirigida a crianças.
Nesses países que eu mencionei, a pornografia parece estar
agindo como um escape sexual socialmente aceito, ao contrário do
que acontece no Reino Unido ou nos EUA. Suspeito que tenha a ver
com essa associação imediata entre pornografia e culpa. É algo
como aqueles experimentos behaviouristas com ratos onde você dá
um estímulo para o animal e ele pressiona uma alavanca para
ganhar sua recompensa ou punição. O estímulo será um vídeo na
MTV da Britney Spears vestida de colegial. Ele se soma à
atmosfera geral erotizada, algumas pessoas vão se sentir
excitadas, e o recurso mais provável, se não tiverem um
parceiro, será a pornografia. E, no momento em que encontram o
alívio que estão procurando na pornografia, elas imediatamente
vão sentir vergonha, repulsa de si mesmas. Você estimula o rato,
ele aperta a alavanca para pegar sua recompensa e imediatamente
leva um choque elétrico moral de vergonha e culpa. Desconfio que
se você fizer isso para ratos de verdade, conectando seus
sistemas de recompensa e punição à mesma alavanca, acho que logo
eles enlouquecem. Vão começar a mostrar formas bem estranhas de
comportamento. E acho que foi isso o que aconteceu no Reino
Unido e nos EUA, lugares onde se tem essa atitude muito negativa
em relação à pornografia e à imaginação erótica em geral. Creio
que algumas pessoas incapazes de suportar o desgosto que sentem
com relação a sua própria forma de alívio talvez tendam a se
recolher nos cantos mais sombrios, fazendo com que aquilo se
torne ainda mais obscuro...
G1 – Os serial killers, estupradores, pedófilos...
Moore – Não acho que eles sejam assim por causa
da pornografia. Lembro-me de Ted Bundy [criminoso americano que
confessou ter estuprado e matado pelo menos 30 mulheres durante
a década de 1970] no momento de sua execução dizendo que a nossa
era uma cultura da pornografia. Ao mesmo tempo, existem milhões
de pessoas que lêem regularmente pornografia e conseguem lidar
com isso sem estuprar ou matar nenhuma mulher. Mas me chama
atenção que a atitude básica que temos em relação à pornografia
possa ajudar a criar alguns desses monstros sexuais como Ted
Bundy.
Animês e mangás usam artifícios estranhos
para insinuar o sexo (Foto: Reprodução)
G1 – O que acha da maneira como os japoneses lidam com a
sexualidade nos mangás e animês?
Moore
– Não sou um grande fã do que se conhece como
mangá hoje. Mas não gosto da abordagem dos japoneses para o
sexo. Eles são muito reprimidos em certas coisas. Creio que
ainda seja ilegal mostrar genitália ou pêlos pubianos. Com isso,
o que fazem é forçar os artistas japoneses a artifícios
grotescos para compensar aquilo que poderiam ser substituído com
a expressão sexual. Me lembro de Melinda trazer um quadrinho –
admito, muito bem desenhado – de um artista erótico japonês
recente. Adorei o desenho, realmente, mas não queria aquele
livro na minha casa porque todo o conteúdo sexual e penetrações
tinham que ser escondidos. Isso me perturba. Se for para você
mostrar órgãos genitais, algo que todo mundo tem, provavelmente
não vai chocar tantas pessoas mostrando-os de forma realista do
que as que pegarem um mangá em que o protagonista abre o seu
zíper e o que sai de suas calças não é um pênis humano comum,
mas uma metáfora sexual bizarra como um míssel teleguiado, uma
serpente... Para o leitor novato, esse aspecto do mangá pode ser
bem desagradável. Tendo a pensar que seria muito mais saudável
se eles simplesmente tirassem essas regras ultrapassadas e
deixassem as pessoas explorar o conteúdo sexual de modo mais
saudável. Um amigo estava na internet e encontrou um site
especializado em bonecos de cerâmica de heroínas de mangá, como
Sailor Moon por exemplo, evacuando os intestinos. Eu jamais
imaginaria que haveria um mercado de nicho para essas coisas!
Pode mostrar esses personagens inocentes defecando, mas é
proibido mostrar seus órgãos genitais. Há algo muito estranho na
maneira como os japoneses lidam com a sexualidade. Pode ser uma
afirmação equivocada ou possivelmente racista, mas pelos
exemplos que vi me parece que os sentidos dos japoneses estão
sendo colocados numa panela de pressão. Uma vez que essa
sexualidade explodir, poderá haver elementos de violência nela.
Personagem da série "Click", de
Milo Manara (Foto: Reprodução)
G1 - A respeito dos chamados mestres do quadrinho
erótico europeu, como os italianos Milo Manara e Guido
Crepax, o que pensa deles?
Moore - Conheço o trabalho deles. Milo Manara é
um ótimo desenhista, mas não gosto tanto do seu trabalho no
erotismo. A mesma coisa com Crepax. Há algo no modo como Manara
desenha as mulheres de que eu realmente não gosto. Elas parecem
homogêneas demais, sempre com o mesmo tipo de corpo, mas sem
personalidade. Toda mulher nos desenhos do Manara parece ter
sempre aqueles lábios de boquete. Eu preferiria se tivesse um
pouco mais de humanidade, porque senão você reduz a mulher aos
sentidos. Quando estávamos fazendo “Lost girls”, passamos tanto
tempo conversando sobre o que não queríamos fazer quanto sobre o
que queríamos fazer. E consideramos muito a crítica das
feministas sobre pornografia. Porque, mesmo que concordemos com
muito poucas delas, elas são pelo menos críticas racionais. E se
existe algo em que realmente concordamos com as feministas é que
a representação da mulher na maioria da pornografia é
tremendamente vazia. Pensamos, então, que devíamos isso às
mulheres. E à pornografia. Precisamos de personagens autênticos
para que você tenha uma relação autêntica com eles. Por isso
“Lost girls” é um livro mais direcionado às mulheres, talvez
mais até do que aos homens - já que atrair homens para a
pornografia não é exatamente inventar a roda. Para atrair o
interesse das mulheres é preciso um pouco mais de carinho e de
cérebro. Pensamos em gente como Crepax e Manara e muitos dos
outros que temos alguma certa admiração, mas acho que estamos
lidando com públicos diferentes, com pensamentos diferentes
sobre sexualidade. Eu certamente não queria menosprezar o
talento de nenhum desses senhores, mas me parece que a visão
geral de erotismo apresentada pela maioria dos artistas europeus
é geralmente limitada. Gostaríamos de ir além do que esses
supostos mestres do gênero iniciaram.
G1 – Soube que “Lost girls” levou 16 anos para ser
concluído. É isso mesmo?
Moore - Dezesseis ou 17. Começamos em 1989 e
desde então tivemos duas ou três editoras por causa dos altos e
baixos da indústria de publicação na América. Nesse meio tempo
eu estava pagando Melinda para produzir as páginas porque achava
importante que o projeto fosse finalizado e estávamos muito
comprometidos com ele. No começo, não sabíamos que tomaria 17 ou
18 anos, mas mesmo se soubéssemos ainda assim teríamos feito.
Achávamos que alguém tinha de criar um trabalho de pornografia
que fosse também bonito. E essa foi uma das razões por que levou
18 anos. Quer dizer, tivemos de discutir cada painel, cada cena
antes de ter certeza de que estávamos os dois satisfeitos e que
estivesse sexualmente excitante. Foram 16 anos e outros dois de
pós-produção e impressão. Investimos uma parte muito grande das
nossas vidas nesse projeto.
Alan Moore e sua mulher, a desenhista
Melinda Gebbie (Foto: Jose Villarrubia)
G1 – Até que você e Melinda acabaram se casando. Acha
que, de certa forma, o teor altamente erotizado do trabalho
acabou ajudando a relação de vocês?
Moore – Com certeza. O livro e o relacionamento
foram muito bons um para o outro. Acho que não poderíamos ter
tentado fazer esse livro se não tivéssemos uma relação. Não
teríamos trabalhado por 16 anos se não tivéssemos essa ligação
íntima muito, muito forte. Ao mesmo tempo, acredito que o livro
ajudou a relação também. Lembro que, quando começamos a fazer
essa obra de pornografia, era quase um pré-requisito que
fôssemos completamente honestos um com o outro sobre todos os
nossos pensamentos sexuais, em um nível muito íntimo. Sei que há
muita gente que se envolve em longos relacionamentos sem que
nunca o parceiro o conheça tão intimamente. Mas, para nós, esse
foi o ponto em que o nosso relacionamento começou, o que eu vejo
como uma grande vantagem. E também podíamos ver um resultado
físico da nossa relação emergindo das páginas de “Lost girls”
que começavam a surgir.
G1 – Vocês viviam em casas separadas?
Moore - Mantivemos casas separadas porque os
dois temos uma quantidade enorme de livros. E também porque,
quando se está imerso em um projeto, é útil ter espaços
separados para trabalhar. Mas ainda mantínhamos contato. Melinda
vinha duas ou três noites e ficávamos juntos. Quando acabamos
“Lost girls” e finalmente encerrei meu contrato com a [editora
de quadrinhos americana] Wildstorm, deixando aquelas pessoas
para trás para sempre, eu me senti tão aliviado que decidi dizer
adeus à indústria de quadrinhos mainstream e que era hora de uma
mudança em nossas vidas. Então pedi Melinda em casamento. Ela se
mudou no dia seguinte. E nos casamos alguns meses atrás.
Alan Moore e Melinda Gebbie vestidos para
o casamento (Foto: Reprodução/Neilgaiman.com)
G1 – Com muita elegância, aliás. Vi as fotos de vocês no
blog do Neil Gaiman.
Moore - Estávamos lindos, não? Tivemos um
pessoal muito competente para confeccionar as roupas. Na nossa
idade, se temos de casar, tem de ser com estilo.
G1 – Os trajes também foram inspirados na moda da época
de “Lost girls”?
Moore - Sim, bastante. O modo como os
decandentistas se vestiam era lindo. Havia algo tão corajoso e
extravagante no período decadentista e no dandismo. Como nos
anos 1960, quando o dandismo ganhou um toque psicodélico, mas
era dandismo ainda assim. Trata-se de querer usar algo bonito,
ainda que envolva tiração de sarro e desdém. Eu realmente gosto
daquele estilo, que se estendia para o jeito de se vestir, de
agir, de escrever e de desenhar. Eram completamente
desembaraçados. Esse, sim, é um padrão para se viver.
G1 – Mudando de tema: diversos de seus quadrinhos foram
adaptados para o cinema, incluindo “A Liga Extraordinária”,
“Do inferno” e mais recentemente “V de vingança”. É sabido
que não gosta de falar muito sobre isso, mas o que acha dos filmes?
Moore – Eu nunca sequer os vi. Não assisti a
nenhuma das adaptações para o cinema e não tenho intenção de
fazê-lo. Simplesmente quero distância de tudo isso, porque não
foram adaptações fiéis ao meu trabalho, parecem não ter nada a
ver com as intenções das minhas obras. E houve alguns incidentes
desagradáveis com o filme “A Liga Extraordinária” que me fizeram
pensar que a melhor atitude a tomar seria recusar todo o
dinheiro, entregá-lo para o desenhista e remover meu nome do
filme. E isso se tornou uma constante. Só deu errado com o filme
de “V de vingança”, em que, depois de eu repassar meu dinheiro
para o artista, a [editora de quadrinhos] DC e a Warner Bros.
decidiram que iriam usar o meu nome no filme. Um de seus
produtores ridículos, Joel Silver, anunciou uma mentira
irritante de que eu estaria incrivelmente empolgado com o filme
e que eu estava conversando com ele e com os irmãos Wachowski.
Foi o início de uma briga de quase um ano, bastante chata, em
que tentava explicar, para revista por revista, que eu nunca
trabalharia com a Warner de novo. Depois, no final daquele ano,
eles mandaram um pedaço de papel dizendo que iriam retirar o meu
nome do filme. Espero que tenham aprendido a lição e que não
façam a mesma coisa com o
filme
de “Watchmen”. Até onde sei, todo mundo na indústria de
cinema mainstream americana não é confiavel, não conheço ninguém
ali em que eu confiaria para nada. Eles são vingativos, e seus
subalternos e empregados parecem estar tão comprometidos que não
conseguem fazer nada sobre isso. Portanto não tenho a mínima
idéia de como será “Watchmen”. Falei bastante com [o desenhista
de “Watchmen”] Dave Gibbons, expliquei que se dessem a ele meu
dinheiro e retirassem meu nome do filme, então, eu não daria um
pio sobre a qualidade do filme - ou a falta dela. Mas, por outro
lado, se fizerem a mesma coisa que fizeram com “V de vingança”,
então exatamente a mesma coisa irá acontecer. Talvez pior.
Cena do filme "V de vingança",
adaptação de graphic novel de Alan Moore (Foto: Divulgação)
G1 – Você tem idéia do quanto de dinheiro já perdeu por
dispensar o pagamento pelas adaptações?
Moore - Para o filme do “Constantine” foram US$ 70
mil, que dividi entre os artistas. No “V de vingança” sei que
houve um pagamento inicial de US$ 7 mil, que mandei para [o
desenhista da HQ] David Lloyd. Depois houve o pagamento final e
nem perguntei quanto era. Só disse para mandar para David Lloyd.
Então não faço idéia. Isso não importa. Para mim, é muito mais
importante a integridade do meu trabalho. Não quero que as
pessoas confundam essa bobagem de Hollywood com algo que
escrevi. E, infelizmente, os filmes são uma forma de cultura tão
proeminente que a maioria das pessoas não vai se importar em ler
os livros. Vão ver a “Liga” e pensar que essa coisa idiota tem
alguma ligação com o quadrinho em que aparentemente foi baseado.
Não me faz parecer bem. Não existe quantia de dinheiro que me
faça sentir melhor com isso. Espero que Hollywood tenha
aprendido a lição e deixe meus filmes em paz.
G1 – O seu problema é com a adaptação da obra em si ou
com Hollywood?
Moore - Com os dois. Não estou muito convencido
de que adaptações funcionem de modo algum. Sei que há exceções a
essa regra. Mas Hollywood e a cultura americana em geral me
parecem criativamente falidos. Não me lembro da última vez em
que Hollywood tenha tido idéias novas. Fazem adaptações de
qualquer quadrinho por aí, de qualquer romance, de boas séries
de TV dos anos 1960 e 1970, de programas terríveis da TV dos
anos 1960 e 1970, de jogos de computador e até de brinquedos de
parque de diversão, como em “Piratas do Caribe”. Eu adoraria ver
criadores e escritores inteligentes em Hollywood, como era Billy
Wilder, que sabia escrever coisas que servem particularmente ao
cinema. Pega-se também muitos filmes de fora e os refazem como
produtos certinhos para Tom Cruise. Todo mundo pode ler
legendas. É uma tremenda perda de dinheiro, de talento e de
tempo ficar constantemente canibalizando a sua velha cultura
descartada e, pior, a de todo o resto do mundo. E as pessoas que
eu conheci em Hollywood... simplesmente não gosto delas. Elas me
pareceram enormemente desonestas, sem inteligência ou valores
estéticos. Basicamente, não me importo com o que eles produzem.
Se me deixarem em paz, eu nem vou precisar falar deles.
Onde você vai com essa varinha, Potter?
(Foto: Divulgação)
G1 – E sobre Harry Potter? Como mago, acredita que ele
está representando bem a classe?
Moore - Tentei ler um dos livros de Harry
Potter logo quando saiu e ainda não havia toda essa falação. Mas
não fui muito longe. Depois, quando todo mundo já estava me
dizendo que eu deveria ler, tentei de novo e não avancei. Não
achei muito bem escrito. As pessoas me diziam, “mas é escrito
para crianças, não para você”. Quando, na verdade, eu conheço
literatura infantil, conheço e adoro livros para crianças bem
escritos, como os livros de Mary Poppins, que não menosprezam
seu público e trazem um senso real de magia. Então, não, não
gosto dos livros de Harry Potter e, como alguém para quem a
magia faz parte de sua vida diária, não acho que aqueles livros
façam bem à magia. O que eles realmente fazem é reforçar a velha
crença de que a magia só pode ser encontrada em livros tolos
para crianças, que não tem realidade ou existência no mundo real
nem uma aplicação prática para a vida humana de uma pessoa
normal. Também acho um pouco lamentável que ela [a escritora de
“Harry Potter”, J.K. Rowling] tenha ressuscitado a escola
pública britânica em boa parte da narrativa. Tenho, sim, muito
respeito por seu sucesso, por sua fantástica história de vida:
mãe solteira, escreve um romance e de repente se torna uma
milionária. Boa sorte para ela. Eu apenas gostaria que os livros
fossem melhores. E que se fosse falar de um assunto que tocasse
meu coração, como magia, que se esforçasse um pouco mais. E que
não tivesse trazido de volta essa insituição utrapassada e
politicamente dúbia que é a escola pública de elite. Então não
posso dizer que sou um fã de Harry Potter.
G1 – E quanto ao escritor brasileiro e mundialmente
reconhecido Paulo Coelho, o que pensa de seus livros?
Moore - Li alguns. Ele é interessante. Mas suas
idéias de magia são diferentes das minhas. Lembro de dar uma
entrevista a um brasileiro que disse que Paulo Coelho poderia
transformar água em vinho e fazer chover com xamanismo. Não
conheço tanto a obra de Paulo Coelho para saber do que o
jornalista estava falando, mas sei que eu não consigo fazer nada
disso. E não há muita vantagem em fazer chover na Inglaterra,
temos chuva suficiente o ano todo. Também não preciso
transformar água em vinho. Tem uma loja de bebidas aqui na
esquina. Dá muito menos trabalho do que ter de transformar
aqueles átomos de água em átomos de álcool (risos).
G1 - Você foi cotado para vir ao Brasil neste ano para a
Festa
Literária Internacional de Paraty. Por que não
aceitou o convite?
Moore - Eu não saio nem de Northampton, exceto
muito raramente. Nem tenho mais passaporte. E tenho tanto a
fazer que, se viajar, vou acabar desejando estar em casa
trabalhando. Só ouvi coisas boas sobre o Brasil, mas é que
simplesmente eu não viajo. Sou feliz em Northampton. Eu faço a
maioria das minhas viagens dentro da minha cabeça. Posso viajar
com a minha imaginação para um lugar e escrever sobre ele com os
detalhes e a intensidade que fará o leitor pensar que eu morei
lá por anos. Isso aconteceu com os americanos em “Monstro do
Pântano”. Antes [de Alan Moore assumir o roteiro da HQ], os
autores americanos não tinham sequer estabelecido em que pântano
ele estava. Eles não sabiam. Então eu perguntei. Alguns pensavam
que era nos Everglades da Flórida, outros na Louisiana, que foi
eventualmente onde colocamos ele. Eu li muitas coisas sobre a
Louisiana, me imaginei lá e, então, escrevi sobre. E muita gente
achava que eu tinha vivido lá. Como escritor, posso
provavelmente experimentar o local em que essas pessoas vivem
mais do que elas próprias. Para a maioria de nós, o lugar em que
vivemos é desinteressante, familiar, morto. Conhecemos muito
pouco da história da cidade em que vivemos, não ligamos. É só
quando vem alguém de fora e olha para aquele lugar como algo
novo, estranho e fascinante que o traz de volta à vida.
G1 – Você certamente conhece um bocado sobre
Northampton. Escreveu um livro inteiro só sobre ela, não?
Moore - Sim, tenho uma paixão incrível por
Northampton. Escrevi “Voz do fogo”, que era ambientando inteiro
em Northampton ao longo de 6 mil anos de sua história. São 300
páginas, mas achei que era um livro muito cosmopolita e
abrangente. Então, no novo livro que estou escrevendo, decidi
focar em apenas alguns quarteirões de Northampton. “Jerusalém”
fala do 1,5 Km2 em que eu cresci. Deverá ter algo como 1.500
páginas. E, provavelmente, o próximo vai ter 8 mil páginas e
será só sobre a minha sala de estar (risos). Por um lado, é uma
cidade fascinante, a quantidade de história e de eventos
estranhos que aconteceram aqui são impressionantes.Mas não estou
dizendo que esse lugar é mais importante ou mais extraordinário
do que onde qualquer outra pessoa vive. É só o lugar onde eu
vivo. E o que estou fazendo por Northampton, que aparentemente é
só uma cidade cinzenta e sem graça, é usar minha escrita para
transformá-la na cidade de maravilhas que existe dentro da minha
cabeça. Acho que muitos artistas se beneficiariam se dessem uma
olhada fresca sobre a cidade em que vivem. Faça observações
poéticas, tente sentir que é um local maravilhoso. Suspeito que
se sentimos que o lugar que estamos vivendo é uma droga,
eventualmente chegaremos a conclusão que nós somos uma droga.
Por outro lado, se você pensar que o lugar que vive é um templo
celestial cheio de seres maravilhosos, nós mesmos nos sentiremos
assim.
Afresco de Ernest Normand mostra o Rei
João Sem Terra assinando a Carta Magna (Foto: Reprodução/Gutemberg.org)
G1 – E quais são os lugares que você circula em
Northampton e que fazem parte desse 1,5 Km2 que estará em “Jerusalém”?
Moore – Socialmente, eu apenas ando pela
cidade. Em “Jerusalém”, os lugares incluem o Castelo de
Northampton, que virou uma estação de trem, mas foi o local onde
viveu o Rei João, citado em Shakespeare. Foi o castelo onde Rei
João se viu cercado pelos barões rebelados de Northampton e
forçado a assinar a Magna Carta, primeiro documento pelos
direitos humanos. Foi do mesmo castelo que saíram as Cruzadas,
primeiro contato do mundo ocidental com o islã. Foi também onde
um grande número de santos, incluindo São Tomás de Aquino, foram
condenados. Foi a área onde Oliver Cromwell ficou antes da
batalha que levou à Guerra Civil inglesa e à captura e posterior
decaptação de Charles I. Charles II demoliu o castelo durante a
Reforma. Há outro local, na esquina do lugar onde estou falando,
em que Charles Chaplin fez suas primeiras performances quando
tinha sete anos de idade. Um pouco mais abaixo, fica o lugar em
que um monge do século VIII ou IX foi instruído por um anjo a
colocar uma cruz. Sim, Northampton é o centro da Terra. E não
sou eu quem está dizendo isso, é Deus quem diz também. A
quantidade de história nessa área é praticamente inacreditável.
As principais guerras travadas na Grã Bretanha, Guerra Civil,
Guerra das Rosas, todas acabaram tendo suas batalhas finais por
aqui. E ninguém ouviu falar desse lugar. Com tantos eventos
históricos famosos, é obscuro.
G1 – Talvez seja mais conhecido como o lugar onde vive
Alan Moore.
Moore - Sim, provavelmente. Me envergonho em
dizer, mas considerando que o meu trabalho, no momento, parece
popular. Espero que falando de Northampton eu consiga restaurar
um pouco de sua glória antiga no mundo. É como uma capital
alternativa da Inglaterra. Muitos dos reis e rainhas viveram
aqui. Temos famílias aristocráticas, com ligações com a realeza.
Em um mundo paralelo, Northampton é a capital de uma Inglaterra
muito mais generosa e gentil. Na minha imaginação.